quarta-feira, outubro 31, 2012

Embaixador de Israel diz que Portugal tem "uma nódoa" que os judeus não esquecem

O tema era o ensino do Holocausto e o embaixador de Israel em Lisboa, Ehud Gol, aproveitou-o para exortar Portugal a assumir as suas responsabilidades.
Com palavras duras, Gol lembrou terça-feira, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, que Portugal "foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias", quando soube da morte de Adolf Hitler. "É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal", exclamou.
"Recuso-me a suportar o peso dessa nódoa", respondeu-lhe um professor da Universidade de Coimbra, que se encontrava na sala repleta para mais uma sessão da conferência Portugal e o Holocausto, aprender com o passado, ensinar para o futuro, que terminou ontem. O docente lembrou que o país vivia então em ditadura e que os gestos do Governo de então não podem ser imputados aos portugueses. "O passado é doloroso. O Portugal de hoje não é o mesmo do passado, como a Alemanha de hoje também não é a mesma do passado, mas os países têm de assumir responsabilidades pelo seu passado", respondeu Gol.
Não foi a única crítica. O embaixador de Israel contou que, ainda há dias, foram ter como ele para lhe expor de novo o problema da Casa do Passal, em Cabanas do Viriato, onde viveu Aristides Sousa Mendes, e que se encontra em risco de derrocada devido a uma guerra de poder na fundação com o nome do diplomata, que é proprietária do palacete construído no século XIX. Sousa Mendes foi cônsul de Portugal em Bordéus durante a II Guerra Mundial. Contra as ordens de Salazar passou mais de 30 mil vistos a judeus perseguidos, para poderem abandonar a França ocupada em direcção a Portugal. Exonerado do cargo, acabou por morrer na miséria.
Sousa Mendes é um dos "justos das nações do mundo", o título dado por Israel a cidadãos não-judeus que ajudaram judeus a escapar ao Holocausto. Na Avenida dos Justos figuram 25 mil nomes e apenas dois são de portugueses, recordou ontem o embaixador de Israel. "Não venham ter connosco, ou com os EUA, para tratarmos da casa. Façam vocês algo para promoverem a imagem dos vossos "justos"", exortou. O outro "justo" português é Carlos Sampayo Garrido, embaixador de Portugal em Budapeste entre 1939 e 1944, que em conjunto com o seu encarregado de negócios, Teixeira Branquinho, ajudou mais de mil judeus húngaros. A sua saga foi revelada pelo PÚBLICO em 1994.
O embaixador de Israel em Lisboa mostrou também não compreender as razões que levam Portugal a ser apenas um observador na Task Force Internacional para a Educação, Memória e Investigação do Holocausto, uma organização intergovernamental criada em 1998 e de que são membros 31 países. "Já chega de ser apenas um observador. Portugal tem obrigação de ser um membro de parte inteira da Task Force", criticou Gol. O embaixador revelou que se encontrou recentemente com o ministro da Educação, Nuno Crato, e que o exortou a assinar um acordo com o Governo de Israel para que "os professores portugueses aprendam a ensinar o Holocausto". Esta formação é ministrada pela escola internacional do Yad Vashen, o memorial do Holocausto em Jerusalém. Por iniciativa da MEMOSHOÁ - Associação Memória e Ensino do Holocausto, foram já organizados quatro seminários de formação de professores portugueses. O embaixador de Israel defende, contudo, que "está mais do que na hora de esta formação ser mais institucionalizada", através de um acordo entre os dois governos.
Gol lembrou os seus tempos de jovem em Israel, uma altura em que os sobreviventes dos campos de concentração andavam sempre de camisas com mangas compridas para esconder o número inscrito na pele. "Eles tinham vergonha e nós também, porque não tínhamos lutado o suficiente", conta. A memória do Holocausto em Israel começou assim.

O Público

segunda-feira, outubro 29, 2012

Salazar foi cúmplice "involuntário" do Holocausto

O historiador Manuel Loff disse hoje nas conferências "Portugal e o Holocausto" que o discurso antirracista foi fabricado pelo Estado Novo e que Salazar foi cúmplice involuntário do genocídio.
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"Tendemos a aceitar que a política de Salazar não era racista e que foi solidário para com as vítimas dos nazis, eu não aceito", afirmou Manuel Loff, da Universidade do Porto, durante uma conferência que decorre hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sobre "Portugal e o Holocausto".
O historiador referiu-se às circulares publicadas pelo Estado português em 1938 e 1939 que proibiam a atribuição de passaportes a indivíduos com nacionalidade indefinida, aos russos e aos judeus "expulsos das suas nações".
"Salazar não actuava na ignorância das questões do Holocausto", disse o investigador da Universidade do Porto, para explicar que, no limite, as indicações de Lisboa durante a guerra foram a de "proteger" judeus nos locais onde se encontravam.
No caso de Budapeste, explicou Loff, referindo-se aos diplomatas Carlos Garrido e Sampaio Branquinho - que emitiram passaportes portugueses a judeus húngaros em 1944, já depois do desembarque Aliado na Normandia -, "há um carácter excepcional em que a representação portuguesa dá protecção diplomática", mas sendo conscientes de que seria "tecnicamente impossível" a viagem da Hungria para Portugal.
"A norma era sempre impedir que os judeus chegassem a Portugal. Protege-los noutros países. Torna esta atitude Portugal cúmplice no Holocausto? De forma involuntária é evidente que sim", disse Manuel Loff.
Para o historiador, os acontecimentos sobre o cônsul português Aristides Sousa Mendes, que emitiu milhares de passaportes a judeus em França durante a II Guerra Mundial, levaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros português a "fabricar" a possibilidade de acções nazis contra Lisboa.
"Não há qualquer documento alemão no sentido de eventuais represálias sobre o caso Aristides Sousa Mendes a sustentar que havia uma razão de Estado e tem, por isso, um significado de natureza politica e ideológica que é impedir a reconstituição de uma comunidade judaica em Portugal", explicou Loff.
O antissemitismo está presente na direita integralista e nos círculos ultra-católicos, mas não foi adoptado oficialmente pelo regime salazarista, que construiu memórias positivas para eliminar aspectos incómodos do passado, defendeu Manuel Loff.
"A hegemonia ideológica do mito do não-racismo é uma construção do século XIX e perdura até hoje. Portugal era um país colonizador e havia racismo, dizer o contrário pode ser o comum, mas não é científico. O discurso auto-elogioso do papel de Portugal durante a II Guerra Mundial foi feito pelo próprio regime e sobreviveu incólume à própria queda do regime" disse ainda Manuel Loff.
Referindo-se à imprensa da época, Loff cita títulos e artigos publicados no Diário de Notícias e no Diário da Manhã que indicavam: "em Portugal não há problema judaico porque foi resolvido no século XVI" ou as "características odiosas dos judeus constituem três ameaças: maçónica, bolchevista e judaica".
A conferência "Portugal e o Holocausto - Aprender com o Passado, Ensinar para o Futuro" realiza-se a partir de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e vai reunir especialistas, académicos e políticos portugueses e internacionais.
 
Jornal Económico

sábado, outubro 27, 2012

Se dependesse de Winston Churchill, os capangas de Hitler tinham sido todos abatidos

Diários de Guy Liddell, vice-director-geral do MI5, foram ontem tornados públicos pelo arquivo nacional britânico.
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Winston Churchill terá apresentado um plano para matar os homens-de-mão de Adolf Hitler em vez de serem julgados pelo Tribunal de Nuremberga, na Alemanha. No entanto, segundo os diários de guerra do espião Guy Liddell, o primeiro-ministro britânico terá sido dissuadido pelo então líder da União Soviética, Estaline, e pelo presidente norte- -americano Franklin Roosevelt.
Nas memórias do espião inglês, na altura vice-director-geral do MI5, a ideia de Churchill era apoiada pelo responsável máximo da acusação pública, Theobald Mathew, e contrária ao que tinha ficado estabelecido na Conferência de Ialta, em Fevereiro de 1945, que contou com a participação dos líderes dos principais países aliados contra as potências do Eixo – Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido.
“O responsável máximo da acusação pública tinha recomendado que devia ser uma comissão de inquérito a chegar à conclusão que certas pessoas deveriam ser abatidas. Outros deveriam receber diferentes penas de prisão”, escreveu Liddell. “Winston tinha apresentado esta ideia em Ialta, mas Roosevelt achou que os americanos iriam querer um julgamento. Joe (Estaline) apoiou Roosevelt e os motivos que apresentou eram os verdadeiros, que os russos gostavam de grandes julgamentos públicos com objectivos propagandísticos”, acrescenta.
Segundo a BBC, os diários – disponibilizados ontem pelo arquivo nacional do país – proporcionam ao leitor uma visão única dos serviços secretos britânicos, durante um dos períodos mais difíceis da sua existência. “Foi uma época de traição”, explicou Stephen Twigge, do arquivo nacional. “O mundo estava a desmoronar-se à sua volta e tudo o que aconteceu está nos seus diários”, sublinhou.
Outra das grandes revelações das memórias do espião britânico são os últimos dias de Hitler. Segundo os relatos de Liddell, o líder nazi terá dito, num bunker em Berlim, que o povo alemão “merecia morrer” e que tinha sido traído por todos os que o rodeavam. “Hitler entrou às 8h30, um homem completamente destruído. Apenas alguns oficiais do exército estavam com ele. Himmler aconselhou Hitler a abandonar Berlim”, conta o vice-director-geral do MI5.
“De repente Hitler começou a fazer um dos seus discursos característicos: ‘Toda a gente me mentiu, toda a gente me enganou, ninguém me disse a verdade. As forças armadas mentiram-me e agora as SS deixaram-me desamparado. O povo alemão não lutou de forma heróica, merece morrer. Não fui eu que perdi a guerra, mas o povo alemão’”, terá dito o líder pouco tempo antes de ter um “colapso nervoso”. Liddell conta que em seguida o líder nazi começou a ficar roxo, o seu braço esquerdo começou a contorcer-se e deixou de ser capaz de apoiar o pé esquerdo no chão.
Por seu turno, na noite em que se suicidou, a 30 de Abril de 1945, Hitler estava “calmo”. Segundo o que parecem ser declarações de Albert Speer, ministro do Armamento do regime, ao espião britânico, o líder nazi via a morte como um “alívio” e sabia que a guerra estava perdida.
Apesar de em tempos ter sido acusado de traição, os diários mostram, segundo a BBC, que Guy Liddell era apenas um homem do MI5 a tentar fazer o que estava ao seu alcance, entre amizades desonestas. Em 1953, quando esperava ser nomeado director-geral dos serviços secretos britânicos, sucedendo a David Petrie, os rumores de que poderia ser um agente duplo fizeram-no reformar- -se antes do tempo. Morreu em 1958, aos 66 anos, de ataque cardíaco.
 
Jornal I

segunda-feira, outubro 01, 2012

Morreu o historiador Eric Hobsbawm

O historiador, conhecido por se ter mantido fiel ao marxismo, morreu no Royal Free Hospital, em Londres, como consequência directa de uma pneumonia, avançou à BBC a sua filha Julia.
Hobsbawm escreveu várias obras que o tornaram uma referência mundial, entre as quais se destacam quatro livros marcantes sobre a História europeia de 1789 a 1991 – “A Era das Revoluções” (1962), "A Era do Capital" (1975), "A Era do Império" (1987) e "A Era dos Extremos" (1994). A sua autobiografia, “Tempos Interessantes: Uma Vida no Século XX”, foi publicada em 2002.
Eric John Ernest Hobsbawm nasceu em Alexandria, a 9 de Junho de 1917, durante o protectorado britânico no Egipto. Os seus pais – ele britânico, ela austríaca – mudaram-se para Viena, quando Eric Hobsbawm tinha dois anos de idade, e mais tarde para Berlim. Filiou-se no Partido Comunista aos 14 anos, já após a morte dos seus pais.
"Os meses da minha estadia em Berlim fizeram de mim um comunista para toda a vida, ou, pelo menos, um homem cuja vida perderia a sua marca característica e o seu sentido sem o projecto político a que se consagrou quando estudante, e isto apesar de esse projecto ter manifestamente falhado e de eu saber hoje que estava, de facto, condenado a falhar. O sonho da Revolução de Outubro permanece algures vivo em mim, nalgum recanto da minha intimidade, como se se tratasse de um desses textos que foram apagados, mas que continuam à espera, perdidos no disco duro de um computador, que um especialista apareça para os recuperar”, escreveu na sua autobiografia.
Era membro da Academia Britânica e da Academia Americana de Artes e Ciências. Foi professor de História no Birkbeck College da Universidade de Londres e na New School for Social Research, em Nova Iorque.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Foral de Leiria de 1510 descoberto em Évora

O terceiro foral de Leiria, de 1510, foi redescoberto em Évora por Saul António Gomes, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Trata-se de “um preciosíssimo manuscrito do século XVI e um dos mais importantes de Leiria”, disse ao nosso jornal o historiador.
“Já se conhecia o registo que está na Torre do Tombo”, mas este documento, que o professor universitário considera ser “a mais completa versão”, tem a assinatura do rei D. Manuel. Para Saul Gomes este facto serve também para “comprovar o prestígio e o estatuto administrativos” do município de Leiria.
O foral manuelino, que legislava os deveres no campo do direito fiscal, criminal e civil da autarquia, é o mais longo da história de Leiria, tendo-se mantido em vigor durante mais de três séculos, entre 1510 e 1822. O documento, que pertenceu aos marqueses de Vila Real e que se julgava ter sido destruído durante as invasões francesas, está exposto na Casa da Duquesa de Cadaval, em Évora.
“Foi assim que se reparou na sua existência”, afirma Saul Gomes, que, explica, “para muitas pessoas, nem sequer tinha interesse”.
Apesar de ainda não ter podido manusear o documento, o historiador adianta que este, “em princípio, compreende não só o texto do foral, mas também outros elementos que terão sido acrescentados”.
Esta figura jurídica aparece por toda a Europa durante a época medieval, justificando-se, em Portugal, pelas cerca de seis centenas de municípios que compunham o país.

Imagem do Foral de Leiria de 1510 (fotografia: Beatriz Ferreira/Jornal de Cortes)
Texto : Região de Leiria

quarta-feira, setembro 19, 2012

Papiro cita Jesus a falar da sua mulher

Uma historiadora norte-americana revelou num congresso em Roma ter identificado um papiro escrito no século IV com uma frase que nunca se viu nos Escrituras: “Jesus disse-lhes: ‘A minha mulher…”
São apenas oito linhas de texto, num rectângulo de quatro por oito centímetros, parece um cartão de visita. O que lá está escrito só se consegue ler quando posto sob uma lente que faça aumentar o texto. A seguir à frase sobre a mulher de Jesus, vem outra, igualmente provocadora: “Ela poderá ser meu discípulo”.
Isto não quer dizer que Jesus, o homem real, tenha sido casado, sublinhou Karen L. King, investigadora da Harvard Divinity School ao New York Times, que viu o papiro e falou com a historiadora antes de ela revelar o seu trabalho esta terça-feira em Roma, no Congresso Internacional de Estudos Coptas.
Este texto terá sido escrito vários séculos depois da vida de Jesus, e as fontes mais contemporâneas são omissas nesse importante pormenor. Mas, a confirmar-se a veracidade deste papiro, é mais uma prova de que havia uma grande discussão na altura sobre se Jesus era celibatário ou casado, e qual a via que os seus seguidores deveriam seguir, disse King ao New York Times.
“Já sabíamos que havia uma controvérsia no século II sobre se Jesus era casado, que foi incluída no debate sobre se os cristãos deviam casar-se e fazer sexo”, explicou a investigadora, que é especialista em literatura copta e escreveu livros sobre o Evangelho de Judas, o Evangelho de Maria Madalena, o gnosticismo e as mulheres na antiguidade.
O processo de verificação da autenticidade do papiro está ainda a decorrer, embora os testes feitos até agora tenham convencido King e os outros cientistas que trabalharam nele da sua autenticidade. O relato da sua descoberta e a sua análise foram submetidos para publicação em Agosto na revista científica The Harvard Theological Review, que pediu a três cientistas para reverem o trabalho.
Dois questionaram a sua autenticidade mas, Segundo Karen King, viram apenas fotografias de baixa resolução do fragmento de papiro e não sabiam que já tinha sido analisado por papirologistas que o consideraram genuíno. Um deles questionou a gramática do texto, a sua tradução e interpretação. Mas mais uma vez King disse ao New York Times que um eminente linguista copta da Universidade Hebraica de Jerusalém, quando consultado, considerou o texto autêntico, “com base na linguagem e na gramática”.
O artigo científico descrevendo o papiro acabará por ser publicado na edição de Janeiro da revista The Harvard Theological Review.
O que não será tornado público é a origem do papiro: King diz que lhe chegou às mãos no ano passado, através de um coleccionador anónimo, que não quer ser identificado, para não ser assediado por compradores. Tudo o que revela é que comprou este papiro num lote, em 1997, ao anterior proprietário, um alemão. Vem com uma nota escrita à mão, em alemão, que nomeia um professor de egiptologia de Berlim, já falecido.
Jornal Público

quinta-feira, agosto 09, 2012

Estatuetas descobertas no Alentejo têm 4500 anos e cabem na palma da mão

São de marfim, cabem na palma da mão e têm pormenores delicados, que surpreendem. António Valera, o arqueólogo que dirige as escavações na Herdade dos Perdigões, em Reguengos de Monsaraz, fala com entusiasmo das estatuetas de marfim que ontem apresentou aos jornalistas como "descoberta única" em Portugal.
"Difunde-se muito a ideia de que o homem pré-histórico era rude, um brutamontes, graças ao cinema", diz Valera. "Mas o que povoados como o dos Perdigões mostram, com toda a sua simbiose com o mundo natural, é algo que estas esculturas vêm reforçar - nesta Pré-História havia um grande grau de sofisticação que está muito longe do preconceito."
Com 4500 anos, as 20 esculturas em miniatura (com tamanho entre os 12 e os 15 centímetros), "pelo menos nove das quais muito realistas", começaram a ser encontradas no ano passado, quando os arqueólogos escavavam um fosso onde, depois de cremados, foram depositados vários corpos. Para os investigadores da Era, a empresa que há 15 anos trabalha nos Perdigões, a herdade que a Finagra (actual Esporão S.A.) comprou para plantar vinha, mas que acabou por transformar num campo arqueológico com 16 hectares, encontrar representações humanas de marfim, "com grande qualidade estética e de execução", foi "emocionante", embora não tenha sido uma surpresa completa.
Estatuetas semelhantes são relativamente frequentes na Andaluzia, região com a qual o Sul do país forma uma unidade territorial na Pré-História. Como escavaram apenas uma área muito reduzida deste complexo arqueológico em que descobriram já mais de 500 peças e fragmentos de marfim, entre elas algumas representações de animais muito pormenorizadas, Valera e a sua equipa acreditavam que, mais cedo ou mais tarde, poderiam vir a dar com esculturas antropomórficas. "O que surpreendeu foi o rigor realista de algumas das figuras, que terá exigido grande capacidade técnica", explica.
Para Vítor Gonçalves, catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, especialista em Pré-História, a grande singularidade das estatuetas humanas dos Perdigões é simplesmente o facto de terem sobrevivido milhares de anos às agressões do solo alentejano. "Temos poucas figurações antropomórficas de marfim na Pré-História portuguesa, mas ainda menos no Alentejo, porque lá a terra é tão ácida que destrói tudo", explicou ao PÚBLICO pelo telefone, não tendo visto ainda ao vivo as peças da herdade. A descoberta, que considera "impressionante", é para este arqueólogo mais uma das originalidades dos Perdigões, a juntar ao facto de ser um "complexo mágico-religioso alentejano em que os sepulcros não são antas".
Conhecido desde 1983, o sítio dos Perdigões só começou a ser escavado em 1997, depois de um estudo geofísico, que fez uma espécie de radiografia à paisagem, ter identificado uma série de fossos concêntricos, mais ou menos circulares, e outras estruturas: possíveis cabanas, silos e sepulturas.
O que os trabalhos têm revelado nos últimos anos, explica Valera, é que o povoado, que começou por ser construído por comunidades neolíticas (c.5500 anos), teria grande importância na região, tendo sido, possivelmente, lugar de festas cerimoniais e de rituais associados ao culto dos mortos. O cromeleque perto da necrópole, já fora dos limites do povoado, reforça esta teoria.
"Estas povoações, das antigas sociedades camponesas, eram já capazes de construir obras públicas de envergadura, como estes fossos. Identificámos 12 e fizemos sondagens em quatro. Para fazer estes quatro estimamos que terão sido retiradas 60 mil toneladas de rocha, impressionante para as ferramentas rudimentares da época", diz Valera.
Em seguida, os arqueólogos vão aprofundar os estudos dos materiais nas valas e nas sepulturas com a ajuda de antropólogos da Universidade de Coimbra e fazer sondagens nos fossos para determinar a idade de cada um e a dinâmica de ocupação do povoado. Pelo meio, há que continuar a analisar as "miniesculturas". Para já as perguntas são muitas e as certezas quase nulas. Porque são tão realistas numa altura em que a representação da figura humana é essencialmente estilizada, como prova a maioria das 20 estatuetas? Serão deuses? Porque têm algumas o género tão bem definido e outras são assexuadas?
Têm o corpo esguio, com as nádegas e o tronco bem delineados, nariz e orelhas definidas, tatuagens faciais, cabelos a cobrirem as costas, olhos grandes que poderiam ter incrustações e as mãos sobre a barriga, segurando o que parece ser um bastão. "Nesta fase só podemos lançar hipóteses, especular", reconhece Valera. "São todas muito parecidas e o facto de serem realistas faz-nos pensar que podem querer comunicar uma ideia muito específica. A própria postura do corpo pode ter um significado, como quando nos ajoelhamos na igreja. Podem representar um estatuto social, um grupo dentro da comunidade ou até mesmo uma família." Mas também podem ser divindades, teoria que parece mais provável a Vítor Gonçalves, que conhece as estatuetas da Andaluzia. "Muitas das representações humanas neste período, como as das placas de xisto portuguesas, estão ligadas à deusa-mãe. Depois, progressivamente, chegamos a outras de um deus jovem."
Os arqueólogos dos Perdigões vão também estudar o marfim de que são feitas. Dos 500 fragmentos encontrados nos Perdigões analisaram apenas 15 e concluíram que se trata de marfim de elefante africano, o que prova que o povoado mantinha contactos com regiões distantes. Mas entre os restantes pode haver elefante asiático, marfim fóssil (de quando havia elefantes na Península) e até osso de outros animais, explica Valera. Na península de Lisboa, acrescenta Gonçalves, já foram encontrados fragmentos de cachalote.
Muitos dos enigmas das esculturas dos Perdigões vão ficar por decifrar, diz o director das escavações, mas os problemas que elas colocam, associados às práticas funerárias, sobre a concepção do corpo são só por si fascinantes. E se para o homem que viveu no Alentejo pré-histórico o corpo não fosse uma unidade? "É difícil saber o que vai na cabeça das pessoas de há 5000 anos." Mas vale a pena pensar nisso.

quarta-feira, agosto 08, 2012

Rússia: Restos mortais de militares portugueses do exército de Napoleão irão ser transladados no sábado

Restos mortais de soldados e oficiais portugueses que tombaram na Batalha de Lubino ao serviço de Napoleão Bonaparte irão ser transladados do campo de batalha para um dos cemitérios de Smolensk, informam as autoridades dessa região russa.
Segundo as mesmas fontes, o ato terá lugar depois da reconstrução de uma das mais sangrentas batalhas entre o Grande Exército napoleónico e as tropas russas, que ocorreu a 19 de agosto de 1812 no campo de Lubino. Vinte e dois mil combatentes russos enfrentaram um exército de 55 mil homens e viram-se obrigados a recuar.
Não obstante as tropas francesas terem vencido o combate, este permitiu aos russos enfraquecerem a velocidade ofensiva de Napoleão, que tencionava chegar a Moscovo antes do inverno, e prepararem um novo combate no campo de Borodino.
"Não teria havido a Batalha de Borodino não fora o êxito estratégico russo junto da aldeia de Lubino. Depois deste combate, o espírito francês quebrou-se, Napoleão pensou pela primeira vez na paz e escreve uma carta ao czar Alexandre I a pedir um armistício", lê-se num comunicado da organização do evento.
O tenente português Teotónio Banha recorda esse episódio sangrento: "Napoleão, que tinha chegado ao campo no princípio de tão porfiada luta, ficou maravilhado ao correr o campo de batalha, notando nele a grande perda do inimigo, que foi calculada na razão de três para um".
Porém, o combatente português constata as pesadas perdas nas fileiras lusas: "Os dois regimentos portugueses com o seu estimado valor continuaram a fazer a admiração do exército, e a captar a benevolência e afeição dos seus generais; a perda destes regimentos neste dia e na tomada de Smolensk foi de dois mil homens, mortos e feridos, inclusive oficiais subalternos".
Segundo o mesmo relato, no dia seguinte, o Imperador francês condecorou 80 portugueses com a Legião de Honra.
Os restos mortais dos soldados da Legião Portuguesa serão sepultados juntamente com restos mortais de soldados russos e franceses que tombaram na mesma batalha. A cerimónia irá ser precedida por uma procissão encabeçada pelo ícone Nossa Senhora de Smolensk, um dos mais venerados entre os cristãos ortodoxos russos.
A Rússia celebra os 200 anos da vitória das tropas russas sobre o exército de Napoleão, episódio conhecido no país como 1.ª Grande Guerra Pátria.
 
Retirado do excelente blog : www.darussia.blogspot.com
 

terça-feira, julho 31, 2012

A cultura moderna nasceu em África há 44 mil anos?

A nossa visão das origens da modernidade intelectual e tecnológica humana tem ultimamente sido abalada por várias descobertas. Primeiro, foi a confirmação de que algumas das pinturas feitas pelo Homo sapiens na Gruta Chauvet, em França, tinham 30 mil anos - isto é, eram muito mais antigas do que toda a arte pré-histórica conhecida. Depois - e ainda mais inesperada - veio a notícia de que pinturas encontradas em várias grutas de Espanha, algumas delas com 40 mil anos, terão sido feitas por neandertais. Enquanto a primeira descoberta fazia recuar em 10 a 15 mil anos a emergência da modernidade cultural da nossa espécie, a segunda retirava-nos pioneirismo em matéria cultural.
Agora, uma série de novos resultados, revelados hoje em dois artigos na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, poderão mesmo pôr em causa o facto de a modernidade humana ter nascido exclusivamente na Europa. Uma equipa internacional de cientistas descobriu que, há 44 mil anos, um dos povos da África do Sul, os San - que ainda hoje lá vivem, sendo também conhecidos como bosquímanos (termo que no entanto é considerado pejorativo) -, já dava todos os sinais culturais e tecnológicos de modernidade.
Até aqui, o consenso era que, em África, as sociedades modernas de caçadores-recolectores só teriam surgido há 10 mil a 20 mil anos. Mas Francesco d"Errico, da Universidade de Bordéus, França, e colegas tornaram a datar os objectos encontrados numa gruta habitada pela cultura San - a gruta de Border, nos montes Libombos, na fronteira entre a África do Sul e a Suazilândia - e fizeram recuar a idade desses objectos em pelo menos... 24 mil anos. "A datação e a análise do material arqueológico descoberto na gruta de Border permitiu-nos demonstrar que muitos elementos da cultura material que caracterizam o estilo de vida dos caçadores-recolectores San faziam parte da cultura e da tecnologia dos habitantes do local há 44 mil anos", diz em comunicado Lucinda Backwell, co-autora, da universidade sul-africana de Witwatersrand.
Isto significa que a emergência da modernidade em África (que se verificou no período designado por "Idade da Pedra Tardia") terá coincidido com o Paleolítico Superior na Europa, altura em que o Homo sapiens chegou ao continente europeu. "O nosso trabalho prova que, na África do Sul, a Idade da Pedra Tardia começou muito mais cedo do que imaginávamos e ocorreu mais ou menos em simultâneo com a chegada dos humanos modernos à Europa", diz Paola Villa, outra co-autora, da Universidade do Colorado, EUA.
As novas datações, salientam os cientistas, mostram para além da dúvida que, há uns 44 mil anos, as pessoas que viviam na gruta utilizavam tecnologias tradicionalmente conhecidas como sendo da cultura San. "Enfeitavam-se com cascas de ovos de avestruz e conchas de animais marinhos, gravavam anotações nos ossos", diz Lucinda Backwell. "Fabricavam finas pontas com osso, que utilizavam como furadores ou para fazer setas. Uma dessas pontas tem uma espiral gravada que está cheia de ocre vermelho, muito semelhante às marcas que os San fazem para identificar as setas quando caçam."
Num pau de madeira decorado, os cientistas descobriram aliás resíduos de ricina, um potente veneno - e o mais antigo indício da utilização de veneno até agora descoberto. E também uma bola de cera de abelha, misturada com resina de eufórbia (uma planta tóxica) e talvez com ovo, embrulhada em fibras vegetais. "Este composto complexo, utilizado para fixar as pontas das setas ou as ferramentas a uma haste, foi directamente datado e tem 44 mil anos", diz ainda Lucinda Backwell. "É o vestígio mais antigo de sempre da utilização de cera de abelha."
Os autores pensam que terá sido o povo San a desenvolver e espalhar a cultura humana moderna pelo mundo. Mas, ao mesmo tempo, como frisa Paola Villa, "as diferenças tecnológicas e culturais entre a África do Sul e a Europa mostram que os povos dessas duas áreas escolheram caminhos radicalmente diferentes de evolução técnica e social". E concluem que, de facto, ainda não existem dados suficientes para determinar as trajectórias, eventualmente múltiplas, da expansão mundial da modernidade humana.

terça-feira, julho 24, 2012

Quem Perde e Quem Ganha Com a Queda Dos al-Assad?

RÚSSIA : O fim do regime de Damasco fará Moscovo perder o seu aliado no Médio Oriente. Em nome de uma relação que vem dos tempos soviéticos, a Rússia usa o veto na ONU para travar medidas contra Bachar al-Assad. Ameaçada está a utilização da base de Tartus pela frota russa.

ESTADOS UNIDOS: Com o apoio aos rebeldes, os americanos estão prestes a conseguir algo que falharam durante a Guerra Fria: fazer a Síria passar para o seu campo no Médio Oriente, como aconteceu com o Egito na década de 1970. Mas há no terreno agentes da CIA a evitar que o armamento para o Exército Sírio Livre chegue às mãos da Al-Qaeda, que também dá combatentes (e bombistas) à rebelião. Washington quer ter certeza que novo regime será amigo.

IRÃO: Se há país árabe com o qual os ayatollahs sempre contaram é a Síria, até durante a guerra de 1980-1988 com o Iraque. O fim de Assad deixará os iranianos sem contacto com os seus aliados libaneses do Hezbollah.

ARÁBIA SAUDITA: Têm sido o Qatar e os sauditas a darem os meios financeiros para a rebelião. Para compra de armamento e para incentivar a deserções de generais sírios. O fim da dinastia Al Assad (Bachar herdou o poder do pai Hafez em 2000) terá como recompensa para a Arábia Saudita uma nova vitória sobre o Irão na luta de influência regional. Já ao apoiar a repressão no Bahrein sobre a maioria xiita os sauditas tinham triunfado.

TURQUIA: Como retaliação ao derrube de um caça pelos sírios, Ancara facilita a passagem de armas na fronteira. De repente os rebeldes exibem armas antitanques e atacam Damasco. A Turquia sacrificou um parceiro económico, mas reconquista no mundo árabe a influência que desaparecera com o fim do Império Otomano.

ISRAEL: Com os Al Assad Israel sabia com o que contar: apoio de Damasco aos palestinianos do Hamas e congelamento das hostilidades nos Montes Golã, ocupados na Guerra dos Seis Dias (1967). Apesar de o Presidente Shimon Peres desejar a vitória dos inimigos de Assad, sujo de sangue, os israelitas temem que a derrocada do regime possa ser marcada por transferência de armas para o Hezbollah e, numa segunda fase, pela proliferação de extremistas islâmicos nos Golã, como acontece já no Sinai (Egipto).

ONU: Impasse sobre a Síria no Conselho de Segurança, com o veto russo (e chinês), reforça a ideia que as Nações Unidas são um clube com quase 200 membros mas onde as grandes potências são quem mais ordena.

CRISTÃOS SÍRIOS: As minorias apoiaram sempre os Assad, eles próprios alaouitas (seita xiita). Com o fim da ditadura, os cristãos sírios ficarão tão vulneráveis aos fanáticos como os do Iraque após a queda de Saddam.
Fonte : DN

quarta-feira, julho 18, 2012

Maior barragem dos maias descoberta na cidade de Tikal


No meio de uma floresta tropical da Guatemala parece pouco provável que a água tenha sido um problema para o crescimento de uma civilização. Mas foi - e a engenharia é que permitiu à cidade de Tikal, uma das mais importantes da civilização maia, abastecer as suas casas, os seus palácios e templos ao longo de 1500 anos, utilizando um sistema de recolha e transporte de água complexo. A última prova desses feitos de engenharia está na descoberta da maior barragem construída pelos maias, revelada na última edição da revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences. Era a Barragem do Palácio.
As ruínas de Tikal podem ser visitadas, revelando a imponência da antiga cidade-Estado dos maias, que misteriosamente entrou em declínio no final do século IX d.C. Mas quem não soubesse dificilmente encontraria hoje as ruínas da cidade perdida no meio da floresta luxuriante, no Norte da Guatemala, com alguns templos em forma da pirâmide a ultrapassarem a altura da vegetação.
Antes dos problemas sociais ou de anos seguidos de seca terem esgotado a resistência desta e de outras cidades maias - duas das possíveis causas do declínio desta civilização, que séculos mais tarde ainda teve de enfrentar a chegada dos espanhóis -, estima-se que 120.000 pessoas tenham chegado a viver na região central de Tikal, num círculo com um raio de 12 quilómetros.
Como é que esta cidade se abastecia de água potável? O antropólogo Vernon Scarborough e colegas, da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, e da Universidade de San Carlos da Guatemala, entre outros, procuraram uma resposta. Tikal fica no meio da floresta de Petén, na Península do Iucatão, numa zona de grutas, onde a água se infiltra facilmente e desaparece terra adentro. Os maias tiveram de se adaptar a essa situação e construíram um sistema de recolha e transporte de água.
"O sistema de água de Tikal foi um dos maiores, mas não sabemos se foi o maior [da civilização maia]. Funcionava por gravidade e tinha uma série de reservatórios, tanques de assoreamento, sistemas de filtragem, barragens e pequenos canais", explica ao PÚBLICO Vernon Scarborough.
O sistema dependia completamente das chuvas. Perto do centro da cidade, o depósito de água mais alto que a equipa estudou, o Reservatório do Templo, ficava a quase 250 metros de altura. Tinha capacidade para 27.140 metros cúbicos, o equivalente a um cubo com 30 metros de lado.
"As grandes superfícies pavimentadas do centro ficavam no topo de um monte. Pátios rebocados, praças, campos onde se jogava à bola, pirâmides, todas estas construções foram concebidas para a água escorrer para antigos poços de pedreiras, que foram convertidos em reservatórios", descreve o antropólogo. "Deste modo, a água era contida nestes tanques, situados em altitude, e depois era libertada na encosta, para abastecer os residentes durante as temporadas de seca."
A ocupação de Tikal ter-se-á iniciado por volta de 600 a.C. e manteve-se durante mais de um milénio, com um período de crise pelo meio, também devido à falta de água, no século III d.C., quando a civilização maia passou do chamado período pré-clássico para o clássico.
Aquela região, refere o artigo científico, poderá ter atraído os primeiros habitantes da cidade devido às nascentes de água nas regiões de maior altitude. Depois, a urbanização terá alterado a paisagem.
Entre os seis reservatórios estudados, um deles, o do Palácio, é o segundo mais alto de Tikal, a quase 240 metros de altitude. E foi ao escavar esta zona que os cientistas encontraram aí aquela que é a maior barragem maia conhecida até agora. Os maias aproveitaram uma escarpa para construir a Barragem do Palácio, com pedras, cal e terra. Atingia dez metros de altura e armazenaria 14.000 metros cúbicos de água.
A equipa quis perceber como era utilizado cada um dos reservatórios durante a ocupação maia, analisando para tal os sedimentos depositados ao longo dos tempos. "O sistema de reservatórios e de desvios de água ficou concluído no fim do período pré-clássico, quando se iniciou uma época mais seca. Provavelmente, esta adaptação ajudou Tikal e outros centros urbanos a sobreviver, enquanto muitos outros foram abandonados", explicam os cientistas no artigo.
O trabalho também permitiu descobrir que o sistema tinha vários tanques de filtragem - com areia -, para limpar a água, embora os investigadores pensem que seria depois fervida pela população.
Apesar de todo este sistema de abastecimento estar muito longe da tecnologia actual, Scarborough defende que é importante olharmos para estas construções maias para reflectir sobre a forma como esta civilização resolveu um problema essencial: a necessidade de ter água potável. "As regiões tropicais podem ser especialmente complicadas devido ao grande número de doenças infecciosas que aparecem quando a água não é filtrada. No entanto, os antigos maias desenvolveram um sistema inteligente de recolha e transporte de água. Logo desde o início da ocupação, estavam preocupados em recolher e ter água potável."

segunda-feira, julho 16, 2012

Criminoso nazi mais procurado foi localizado na Hungria

O criminoso nazi mais procurado, Laszlo Csataryl, foi localizado, esta semana, em Budapeste, mas o «caçador de nazis» Serge Klarsfeld duvida que o governo húngaro processe o detido, acusado de cumplicidade na morte de mais de 15 mil judeus.
«Não tenho a certeza de que haja uma ação legal por parte deste governo conservador» do primeiro-ministro Viktor Orban, afirmou o advogado francês e «caçador de nazis».
Laszlo Csatary, julgado à revelia por um tribunal checo em 1948 e condenado à morte, foi localizado na capital húngara, segundo denunciou o Centro Simon Wiesenthal, que identificou Csatary como o seu «suspeito mais procurado». No entanto, Klarsfeld disse, em declarações à AFP, que «nunca ouviu» falar dele.
«Na minha opinião, ele não teve grandes responsabilidades, deve ter sido um comissário», afirmou, considerando que a única razão para Csatary estar no topo da lista é haver muito poucos criminosos de guerra nazis vivos: «Há 30 anos ele seria o número 3500 da lista.»
O Centro Wiesenthal pediu ao Ministério Público húngaro para que Csatary seja levado a julgamento, dado que ele foi oficial de polícia na cidade eslovaca de Kosice, sob controlo húngaro durante a II Guerra Mundial, e por isso terá sido cúmplice da deportação de milhares de judeus de Kosice e dos arredores para o campo de concentração de Auschwitz.
Csatary fugiu para o Canadá, onde trabalhou sob identidade falsa, até que em 1995 caiu o seu disfarce e foi obrigado a fugir novamente. Estará a viver há 17 anos na Hungria, com a sua verdadeira identidade.

quinta-feira, julho 12, 2012

Povoamento da América aconteceu em três vagas sucessivas

Os progressos da genética podem ter permitido enterrar o machado de guerra num debate histórico: o povoamento da América fez-se a partir da Sibéria por populações vindas da Ásia, mas em três vagas sucessivas e não apenas numa, diz uma equipa internacional de investigadores na revista Nature.
Este modelo de povoamento, em três vagas sucessivas, já tinha sido proposto em 1986 por linguistas, mas não foi aceite, na época, pela comunidade científica.
Publicado nesta quarta-feira na revista britânica Nature, um estudo traça a história do património genético das populações nativas americanas, realizado por um consórcio internacional com mais de 60 cientistas. E demonstra que, pelo menos em parte, o modelo de 1986 estava correcto.
Ao analisar o genoma de 500 pessoas oriundas de 52 populações nativas americanas e 17 da Sibéria, com a ajuda de programas informáticos, os investigadores conseguiram obter uma visão de conjunto do seu património genético. A comparação entre mais de 364.000 marcadores genéticos “permitiu estabelecer o grau de diferenciação ou de semelhança genética entre estas populações”, escreve, em comunicado, o Centro Nacional da Investigação Científica (CNRS) de França, que contribuiu para este estudo.
As análises confirmam que a maioria das populações ameríndias resulta de uma vaga de migração vinda da Sibéria há cerca de 15.000 anos, durante uma glaciação que, na época, tornou o estreito de Bering transponível.
Os resultados também salientam a grande diversidade genética entre os indivíduos do Norte da América, enquanto as populações mais homogéneas geneticamente são as da América do Sul.
Mas, acima de tudo, a investigação demonstra a existência de duas outras vagas de povoamento asiático, que ocorreram depois (há entre 15.000 e 5000 anos), o que confirma o modelo proposto em 1986 por Joseph Greenberg, Christy Turner e Stephen Zegura, salienta o CNRS. Estas duas vagas posteriores “ficaram acantonadas no Alasca, Canadá e no Norte dos Estados Unidos”.
E, contrariamente ao que afirmava o modelo de 1986, os novos povoadores integraram-se bem nas populações que já existiam naquelas regiões, formando os povos esquimós, por exemplo.
Qualquer que seja o período em questão, a genética mostra que as populações colonizaram o continente americano em direcção ao sul, seguindo as zonas costeiras e separando-se ao longo da sua dispersão. Depois desta separação, as trocas genéticas entre os diferentes grupos foram muito reduzidas, em especial na América do Sul.

sábado, julho 07, 2012

Gabriel Garcia Marquez perdeu a memória e não voltará a escrever

O escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez não vai voltar a escrever, depois de ter sido diagnosticado com demência. O anúncio foi feito pelo irmão do escritor, Jaime Garcia Marquez, numa conferência em Cartagena das Índias, Colômbia. Visivelmente emocionado contou que o Nobel da Literatura está bem em termos físicos, mas que perdeu a memória.

Nos últimos tempos, muito se tem especulado sobre o estado de saúde do escritor, que tem 85 anos. Em Junho, um amigo tinha contado à imprensa que Gabriel se andava a esquecer de muitas coisas e até já nem conhecia os amigos e familiares.
Agora, o irmão mais novo falou sobre a situação pela primeira vez e confirmou o estado de saúde do escritor, para que acabem os rumores. “O facto é que se têm feito muitos comentários. Alguns são verdadeiros mas vêm sempre acompanhados de detalhes mórbidos. Às vezes parece que preferiam que ele estivesse morto, como se a morte fosse uma grande notícia”, disse Jaime, citado pelo El Mundo, criticando as notícias que têm vindo a público. “Ele tem problemas de memória”, acrescentou, sem esconder a tristeza. “As vezes choro porque sinto que o estou a perder.”
Jaime explicou que existem casos de demência na família, mas que com Gabriel a situação se complicou depois dos tratamentos ao cancro em 1999. “A quimioterapia salvou-lhe a vida mas também acabou com muitos dos neurónios, das defesas e células e acelerou o processo”, atestou.
Ainda assim, o autor de “Cem Anos de Solidão” continua a “conservar o humor, a alegria e o entusiasmo”, garantiu Jaime, explicando que Gabriel teve de parar de escrever, não devendo sequer voltar a fazê-lo mais. “Infelizmente acho que não vai ser possível, mas oxalá esteja equivocado”, notou Jaime, lamentando que o irmão não possa escrever a segunda parte do seu livro de memórias, “Vivir para contarla”.
O escritor colombiano, que vive no México desde a década de 1980, publicou o último livro, “Yo No Vengo a Decir Un Discurso”, em 2010, depois de uma pausa de seis anos, uma vez que já não publicava nenhuma obra desde 2004, quando lançou “Memória das minhas putas tristes”. “Cem Anos de Solidão”, escrita pelo colombiano em 1967, é uma das obras mais lidas e traduzidas – cerca de 30 idiomas – em todo o mundo.

"A História é uma relação com o público"


Porque é que precisávamos de uma nova "História de Portugal"?
Este livro foi uma encomenda da Esfera dos Livros, que me pediu que formasse uma equipa para escrever uma síntese da História de Portugal num só volume. Aceitei por duas razões. A primeira tem que ver com o facto de a História ter mudado muito nos últimos 20 ou 30 anos. Há muito mais gente a fazer História, e a fazê-la de outra maneira, com outros contactos, nomeadamente internacionais, o que deu uma natureza diferente ao trabalho, muito mais académico. Mas também se tinha transformado num sentido negativo, tinha-se tornado muito monográfica, muito especializada, fazendo com que a maior parte das produções se tivesse tornado inacessível ao público. Ora, a História é a relação com o público. E era preciso voltar a estabelecer essa relação com o público.
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Concretamente, em que é que esta "História" é diferente das outras?
É diferente a começar por aí. Não havia um equivalente a ela. A mais aproximada a este modelo é a "História" de Oliveira Marques, que foi concebida em 1972, e aquela outra mais pequenina, "A História Concisa de Portugal" de José Hermano Saraiva, que data de 1978. O que havia eram atas de congressos, artigos fora do alcance do comum das pessoas e depois aquelas "Histórias" em vários volumes publicadas a partir da década de 80 e durante os anos 90, dirigidas por José Mattoso, João Medina, e também a "Nova História de Portugal" dirigida por Oliveira Marques e Joel Serrão. Portanto, era tudo estantes. Aquilo de que precisávamos neste momento era de um só volume, para um público culto poder ter um contacto com a História mais manuseável e ao mesmo fazer face à necessidade de síntese que nós, historiadores, sentimos para perceber qual é a nossa visão.
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Nas investigações que fizeram, alguma vez se depararam com o facto de o passado se tornar imprevisível?
Como trabalho de síntese, a feitura desta "História" não assentava em investigação original. Mas essa síntese, baseada na maior parte da produção historiográfica das últimas décadas, traz surpresas, sobretudo de ênfases, de opções. Creio que haverá para o leitor algumas surpresas, sobretudo para o que não acompanha a produção universitária, mas também para os autores, pois com o nosso trabalho de composição fomos obrigados a olhar de uma maneira diferente para determinados momentos, figuras e acontecimentos.
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É um trabalho mais interpretativo? Sim. Tinha de ser uma síntese interpretativa, não íamos limitar-nos a, através de tesoura e cola, colecionar uma espécie de antologia daquilo que os outros escreveram. Tanto eu como o Bernardo Vasconcelos e o Nuno Monteiro tivemos sempre a noção de que isto é uma História de Portugal, nós próprios podíamos ter escrito outra, completamente diferente. Temos consciência de que isto é uma solução para contar a História de Portugal. Há outras.


Jornal Expresso, 7-7-2012

quinta-feira, julho 05, 2012

Vasos de cerâmica com 20 mil anos são os mais antigos do mundo

Os caçadores-recolectores que há 20 mil anos se refugiaram na gruta de Xianrendong, província de Jiangxi, na China, já armazenavam e cozinhavam alimentos em vasos de cerâmica. Esta descoberta, baseada na descoberta de fragmentos de cerâmica, faz recuar em dois mil anos a invenção da cerâmica.
Até agora, os pedaços de cerâmica mais antigos que se conheciam tinham 18 mil anos e tinham sido encontrados na China, no Japão e Rússia. Mesmo assim, essa é uma descoberta recente – de 2009 –, pois até aí pensava-se que a cerâmica tinha surgido apenas na altura do advento da agricultura, há aproximadamente dez mil anos.
Dez mil anos antes de nos termos tornado agricultores e sedentários, a invenção da cerâmica pode ter tido um papel central na demografia humana e nas adaptações sociais às mudanças climáticas no Leste da Ásia. Nessa altura, a Terra vivia o último pico da idade do gelo, momento em que houve um decréscimo da disponibilidade de recursos alimentares.
A equipa de Ofer Bar-Yosef, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, publicou a sua descoberta na última edição da revista Science, verificou que muitos dos fragmentos continham também marcas de exposição ao fogo, sugerindo que a cerâmica era usada para cozinhar e armazenar alimentos.
Foi também possível identificar duas técnicas usadas para moldar os vasos de cerâmica: o barro era achatado como uma folha e depois era dobrado e enrolado com uma pá.
Na gruta, havia muitos ossos de veado, o que sugere que a cerâmica pode ter sido usada na extracção de medula óssea e de gordura daqueles animais. “Outros usos conhecidos da cerâmica na sociedades de caçadores-recolectores incluem a preparação e armazenamento de comida, bem como o fabrico de bebidas alcoólicas, e podem ter desempenhado um papel vital nos festejos”, diz a equipa no artigo. Por isso, concluem os cientistas, a invenção da cerâmica mais cedo do que se suponha pode ter acabado por conduzir ao sedentarismo e ao aparecimento do cultivo do arroz no Leste asiático.

quarta-feira, julho 04, 2012

Nova expedição para encontrar vestígios de Amelia Earhart

Uma nova expedição partiu, esta terça-feira, do Havai, para tentar comprovar a teoria que a pioneira da aviação Amelia Earhart sobreviveu ao acidente que sofreu há 75 anos, permanecendo numa ilha deserta.
O desaparecimento da aviadora norte-americana, Amelia Earhart, de 39 anos, a 2 de julho de 1937, ficou sem explicação e, 75 anos depois, uma nova expedição partiu de Honolulu, no Hawai, à procura de vestígios do avião de Amelia.
O destino é Nikumaroro, ilha do arquipélago de Kiribati no centro do Oceano Pacífico, onde os cientistas acreditam que o avião se despenhou. A expedição vai durar no mínimo 10 dias, conta com 20 cientistas de todo o mundo, mas é liderada pelo Grupo Internacional para a Recuperação de Aviões Históricos (TIGHAR).
A expedição vai utilizar tecnologia de ponta para mapear o fundo do oceano, como um dispositivo de controle remoto semelhante ao que conseguiu encontrar as caixas negras do avião da Air France que caiu no Atlântico enquanto voava do Rio de Janeiro para Paris em 2009.
Para o TIGHAR, Amelia Earhart e o navegador que a acompanhava, Fred Noonan, sobreviveram ao acidente e estiveram por tempo indeterminado em Nikumaroro que, na época, era uma ilha deserta, uma teoria que continua por comprovar.
Amelia Earhart é uma das mulheres mais importantes na história da aviação e, em 1937, tentava bater mais um recorde. Depois de se ter tornado a primeira mulher a cruzar o Oceno Atlântico, a aviadora tentava concluir a sua viagem de volta ao mundo pela linha do Equador, a forma mais longa de o fazer.

Códice Calixtino roubado da Catebral de Santiago de Compostela encontrado no lixo

A polícia espanhola recuperou o Códice Calixtino, após ter sido anunciada a detenção do ladrão do manuscrito do século XII e dos seus cúmplices. Esta «jóia literária» foi encontrada dentro de um saco do lixo, na garagem do suspeito.
O Códice Calixtino foi recuperado após a confissão de um filho do principal suspeito do roubo e, de acordo com o El Mundo, foi encontrado numa caixa de cartão, dentro de um dos muitos sacos de lixo acumulados na garagem do suposto autor do roubo.
Para alívio das autoridades, o manuscrito foi encontrado em bom estado, juntamente com outros livros da Catedral de Santiago de Compostela - onde o Códice Calixtino estava guardado numa caixa forte no arquivo, até ser roubado a 5 de julho de 2011 - e uma bandeja de prata.

Yasser Arafat pode ter sido envenenado


Yasser Arafat poderá ter morrido envenenado por polónio, uma substância radioactiva, segundo as conclusões de um laboratório na Suíça divulgadas esta quarta-feira pela estação de televisão Al-Jazira.
As análises foram feitas a vestígios biológicos retirados das roupas do líder palestiniano que tinham sido entregues à sua viúva, Souha, pelo hospital militar de Percy, no Sul de Paris, onde Arafat morreu.
Estas explicações foram dadas pelo director do Instituto para a Física das Radiações de Lausane, François Bochud. "A conclusão foi termos encontrado [um nível] significativo de polónio nas roupas", disse Bochud especificando que as análises demoraram nove meses a ser feitas.
O polónio é a substância com que foi envenenado o antigo espião russo Alexandre Livtenko, que morreu em Londres em 2006.
Yasser Arafat adoeceu entre Agosto e Outubro em Ramallah, cidade cercada pelo exército israelita na Cisjordânia, e morreu em Paris em 2004. A sua morte motivou uma série de teorias pois os muitos médicos que o assistiram não conseguiram dar uma explicação para a deteriorização tão rápida do seu estado de saúde. Os palestinianos acuraram sempre Israel de ter envenenado o seu líder histórico; a imprensa mundial noticiou antes da sua morte que sofria de cancro no estômago.
Para que a morte por envenenamento com polónio seja confirmada seria necessário exumar o corpo de Arafat, disse Bochud na informação que enviou a Souha Arafat. "Se ela quiser saber o que realmente aconteceu ao marido, terá que... exumar Arafat permitiria recolhermos uma amostra para vermos se há uma grande concentração de polónio e se houve envenenamento".

Encontrado um exemplar do primeiro mapa-mundo que inclui a América

Dois investigadores alemães encontraram na Biblioteca da Universidade de Munique um exemplar, até agora desconhecido, do mapa-mundo de Waldseemüller, o alemão que foi o primeiro a desenhar o mundo com o continente americano e a palavra América. O mapa agora encontrado será o primeiro exemplar a incluir os cinco continentes.

O documento, com cerca de 500 anos, estava encadernado por engano num outro livro há muitos anos guardado nos fundos da biblioteca, contendo documentos do século XIX e, por isso, até agora tinha passado despercebido.
Para o director da Biblioteca, Klaus-Rainer Brintzinger, esta é “uma descoberta incrível”, uma vez que se conhecem muito poucos exemplares dos mapas desenhados pelo cartógrafo Martin Waldseemüller (1470-1522).
Em comunicado, publicado no site da biblioteca, Brintzinger explicou que este exemplar é mais pequeno que o conhecido mapa mundial de Waldseemüller, que tem três metros quadrados.
“Não havia uma descoberta destas dimensões na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial”, escreveu no mesmo comunicado Sven Kuttner, responsável pelo departamento de livros antigos da Biblioteca Universitária de Munique, destacando o valor histórico do documento.
Martin Waldseemüller é considerado o padrinho da América por ter sido o primeiro cartógrafo a dar esse nome ao novo continente, acreditando que este tinha sido descoberto pelo italiano Américo Vespucio e não por Cristóvão Colombo.
Até agora só se conheciam quatro exemplares da versão do mapa agora encontrado, tendo inclusive uma delas sido leiloada em 2005 pela Christie’s por mais de 800 mil euros.

segunda-feira, julho 02, 2012

O que se está a passar em Tombuctu “é uma loucura”

 
A situação em Tombuctu é grave e não tem, para já, uma solução à vista. Quem o diz é o maliano Lassana Cissé, do comité científico do ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e dos Sítios) e responsável pelo património mundial no Mali, que teme pela destruição total do património, depois de esta segunda-feira a mesquita Sidi Yahia ter sido atacada pelos combatentes islamistas.
“A situação é muito grave porque os islamistas já destruíram seis mausoléus dos 16 que estão inscritos na lista do Património Mundial da UNESCO”, disse ao PÚBLICO, por email, Lassana Cissé, que está no Mali a acompanhar de perto a situação, lamentando a actual falta de resposta.
A cidade de Tombuctu, que é considerada a jóia africana, foi tomada pelo Ansar Dine, um grupo com ligações à Al-Qaeda e que quer impor no Mali a sharia (lei islâmica), que não aceita que a população local, sufista, venere mausoléus de santos. O grupo islamista prometeu destruir todos os mausoléus e locais de culto e segundo Cissé a ameaça é para levar a sério.
Já em Abril, o responsável pelo património tinha alertado para a situação. “Num momento de guerra, a destruição do património edificado e do enorme tesouro que são os manuscritos é muito possível”, disse então Lassana Cissé ao PÚBLICO e voltou esta segunda-feira a reafirmar, explicando que o que está a acontecer em Tombuctu, cidade Património Mundial desde 1988, “é uma loucura”.
“Eles [combatentes islamistas] arrombaram a porta de entrada de uma das mesquitas classificadas (a de Sidi Yahia) e prometem destruir todos os lugares considerados sagrados, incluindo os cemitérios e os locais com símbolos artísticos”, contou Lassana Cissé, explicando que os islamistas “querem destruir todo o património significativo ligado a um Santo ou uma tradição ancestral (crença em fenómenos sobrenaturais e lendas)”. “A única razão é o extremismo religioso, o fanatismo e o obscurantismo cultural.”
Lassana Cissé lamenta ainda a falta de apoio à população, “abandonada a si mesma”, que nada pode fazer a não ser “assistir impotente à destruição do património que é legado dos seus antepassados desde o século X”.
Situada às portas do deserto do Sara, Tombuctu fica a mil quilómetros da capital, e tem 30 mil habitantes. É património da humanidade desde 1988 e deve a sua fundação aos tuaregues. Graças à prosperidade que atingiu, sobretudo nos séculos XV e XVI devido ao comércio das grandes caravanas, transformou-se no centro cultural e espiritual de África, pólo a partir do qual o islão se alargou a grande parte do continente.

Fortificações de Elvas são Património Mundial

A maior fortificação abaluartada do mundo, em Elvas, foi hoje classificada como Património Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), revelou à Agência Lusa fonte do município.
As fortificações de Elvas foram classificadas, na categoria de bens culturais, ao início da tarde de hoje na 36.ª sessão do Comité do Património Mundial, que está reunido até 6 de julho, em São Petersburgo, na Rússia.
O conjunto de fortificações de Elvas, cuja fundação remonta ao reinado de D. Sancho II, é o maior do mundo na tipologia de fortificações abaluartadas terrestres, possuindo um perímetro de oito a dez quilómetros e uma área de 300 hectares.

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Único monumento português

As fortificações de Elvas constituíam o único monumento português entre os 33 candidatos que fazem parte da lista de Património Mundial, elaborada pela Unesco.
A fonte do município explicou à Lusa que foram classificadas todas as fortificações da cidade, os dois fortes, o de Santa Luzia, do século XVII, e o da Graça, do século XVIII, três fortins do século XIX, as três muralhas medievais e a mudalha do século XVII, além do Aqueduto da Amoreira.
Classificado como Património Nacional em 1910, o Forte da Graça, monumento militar do século XVIII situado a dois quilómetros a norte da cidade de Elvas, constitui um dos símbolos máximos das fortalezas abaluartadas em zonas fronteiriças.
O Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) já tinha dado parecer "decisivo e favorável", tendo sido provado que as fortificações da cidade alentejana "reúnem o valor universal excecional, que é o principal para que uma candidatura seja aprovada", segundo a vereadora da Cultura do município de Elvas, Elsa Grilo

sábado, junho 16, 2012

Entrevista do Cardeal Cerejeira Concedida a 21 de Janeiro de 1971, á Revista «Novidades»


1 – Razão de Ser da Concordata
- Terá ainda razão de ser a Concordata? O problema tem sido levantado ultimamente. Que significa hoje a Concordata? Pode já tirar-se uma conclusão dos trinta anos de experiência?
- A razão de ser da Concordata, declara-o abertamente o Prólogo que anuncia o texto, a saber: «regular por mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja e do Estado». É dos documentos que assinalam datas históricas de um povo.
Diga-se sem temer: estabeleceu a paz religiosa em Portugal. Respeitada a Concordata «com sinceridade e boa-fé», «não pode pôr-se entre nós, como dizia Salazar ao apresentá-la na Assembleia Nacional, o problema de qualquer incompatibilidade entre a política da Nação e a liberdade evangelizadora» da Igreja. Nem estatismo invasor, pró ou contra, na esfera da Igreja, nem clericalismo a pretender tutelar a esfera do Estado.
Quando da sua assinatura, tive ocasião de declarar: - a Concordata liquida dois séculos ou mais do que se poderia chamar a política religiosa; mas salva deles o princípio que os fez viver, ou, como já foi dito, «toda a essência da nossa tradição espiritual». – Do regime regalista a Concordata conserva o que os Estados modernos conservam e muitos protegem – o reconhecimento da missão educadora da Igreja, a garantia dos seus direitos e liberdade, a concórdia dos dois poderes para o bem comum. «Da revolução das ideias que levou à separação da Igreja e do Estado, conserva o que nela se poderá achar-se como aspiração legítima: a independência das respetivas esferas de influência, o respeito da liberdade de consciência de cada um, a igualdade de todos os portugueses perante a lei».
Salazar regozijava-se, no citado discurso, de ter sido possível encontrar «uma fórmula de respeito e colaboração entre um Estado moderno equilibrado e a Igreja Católica».
Foi para durar - «de um modo estável», acentua-se no Prólogo - que ela foi feita. Nem de outra forma se explicariam os grandes sacrifícios que a Igreja ofereceu a bem da sua liberdade e da concórdia com o Estado.
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2 – A Concordata Hoje
- Não falta quem pense que a Concordata foi fruto das circunstâncias do tempo; mas este evolucionou e novas condições aconselhariam uma revisão do documento. Não deu o exemplo e o impulso à renovação e adaptação o Concílio Vaticano II?
- Não compreendeu a Concordata quem a considere envelhecida, e portanto, carecida de revisão, se não de rejeição.
Pelo contrário, é documento nascido de reflexão «séria e de boa-fé» da natureza e missão respetiva da Igreja e do Estado, e da realidade histórica e permanente do País, e portanto vivo e atual. E acrescentarei sem hesitação: é um documento precursor e inovador, que se antecipou ao próprio Concílio. Ajusta-se tão perfeitamente às normas dadas por este, que, se lhe não fora anterior, todos diriam as copiaram. É a primeira Concordata de separação.
Não quero exagerar. Citarei o que escreveu acerca da Concordata o filósofo J. Maritain, em 1942, num livro que tem por título Les Droits de l’homme, em nota à pág.43: ela «mostrou o caminho e iluminou os espíritos na confusão do tempo presente». Para quem pense que a Concordata nasceu do espirito autoritário do regime político, aditarei que o mesmo escritor, no mesmo lugar, afirma a sua oposição ao regime.
Do que a Concordata representa para Portugal, é o documento mais alto e mais autorizado – o dos ilustres Docentes das nossas duas Faculdades de Direito, homens de saber e homens públicos, ao celebrar-se o seu 30.ºaniversário. Ela veio «sanar graves feridas abertas na consciência nacional e tornar juridicamente possível a paz religiosa em Portugal». Graças a ela, «a Igreja e o Estado salvaram a sua recíproca independência e ao mesmo tempo firmaram as bases da colaboração indispensável nos domínios em que a ambos cumpre concorrer para o bem comum».
Aliás a Concordata traz consigo o meio de reajustamento a condições novas, não para se negar a si mesma no que constitui a sua essência, mas para melhor realizar esta. É a letra bem entendida do art.º 30 - «Se vier a surgir qualquer dúvida na interpretação desta Concordata, a Santa Sé e o Governo Português procurarão de comum acordo uma solução amigável».
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 3 – Características da Concordata
- Acaba Vossa Eminência de falar da novidade da Concordata e, ao mesmo tempo, por um lado, do seu enraizamento na doutrina do Estado e da Igreja, e, por outro, da realidade histórica da Nação. Poderia dar-nos as suas características essenciais?
- Creio poder resumi-las no que se segue:
a) Os dois Poderes – Estado e Igreja – reconhecem-se e aceitam-se mutuamente tais quais são, definindo os limites da sua respetiva independência e os termos precisos do seu encontro ao serviço do cidadão súbdito dos dois. Nem primazia do poder civil (como se dizia no tempo do liberalismo) numa Igreja de Estado; nem clericalização da política;
b) A Concordata não reintegra a Igreja, como acaba de ser dito, como Igreja de Estado, na sua participação como tal na vida pública, nas honras e privilégios de corpo de Estado, na dotação material, na proteção, em vez do Rei como padroeiro; aceita franca e lealmente a separação;
c) A Concordata não restaura o chamado orçamento de culto; a Igreja em Portugal vive exclusivamente das esmolas dos fiéis, é até a única (com a França) em toda a Europa, incluindo as nações além da cortina de ferro. Para conquistar a liberdade e a dignidade, a Igreja portuguesa – oiça-o bem Portugal – aceitou ser a Igreja mais pobre da Europa. Não se iluda ninguém, a floração de casas e institutos religiosos que se contempla no nosso País deve-se apenas a ajudas generosas, sinal da sobrevivência da fé e da restauração do que fora destruído em 1834 pelo regime liberal, e, depois, em 1911, com o advento da República. Mas a perspetiva da situação material da Igreja hierárquica (refiro-me a dioceses e paróquias com o seu clero) é cheia de preocupações. E não lhe faltariam motivos para pedir ao Estado, em nome do bem comum da Nação, isto é, da continuidade do espirito que a formou e sustenta, que lhe venha em auxílio, como às suas igrejas fazem os países cristãos (não digo só católicos), ele que tão louvavelmente vai em socorro das dioceses e missões do Ultramar;
d) A Concordata reintegra o País na sua fonte espiritual, «sem que algum cidadão português, qualquer que seja a religião que professe, sofra a menor diminuição dos seus direitos». No discurso já citado, Salazar começou assim sobre o ponto que nos importa: «A primeira realidade que o Estado tem diante de si é a formação católica do povo português: a segunda é que a essência desta formação se traduz numa constante da história». E a concluir: «sem deixarmos de sermos do nosso tempo…,somos nos altos domínios da espiritualidade os mesmos de há oito séculos»:
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4 – A Concordata e a liberdade
- Diz-se, às vezes, que a Concordata cria uma situação privilegiada em relação às outras confissões religiosas. O próprio Projeto sobre a Liberdade Religiosa consagra o fato. Não se oporá isto à igualdade de todos os cidadãos perante a lei?
- A situação criada pela Concordata para a Igreja não é, em rigor, privilégio, é antes reconhecimento de situações diferentes. Portugal nasceu, formou-se e vive ainda, na sua quase totalidade, no seio da Igreja. É uma realidade histórica e moral. Fato ainda sociológico que o Estado não pode esquecer: aqui igualdade seria falsidade, injustiça e traição ao bem comum.
A situação da Igreja, segunda a Concordata, não nega, antes proclama – e disse-o há pouco o Episcopado da Metrópole em solene Pastoral – a obrigação de assegurar a todas as religiões os respetivos direitos, o que não quer dizer que sejam os mesmos. O Concílio, na Declaração sobre a Liberdade Religiosa, teve o cuidado de precisar: direitos «segundo o modo próprio de cada uma delas e conforme as suas obrigações para com o bem comum» (nr.6). E, mais adiante, o Concílio refere-se explicitamente ao caso de um regime especial. Cito as palavras: «se, atendendo a circunstancias particulares dos povos, uma comunidade religiosa é especialmente reconhecida na ordenação jurídica da sociedade». É o caso português consagrado na Concordata.
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5 – Autonomia e Cooperação
- Compreende-se a independência mútua do Estado e da Igreja, poderes um temporal e outro espiritual. Todo o mundo livre hoje o reconhece. Mas reconciliar-se-á a cooperação com o princípio da separação? Não haverá o perigo de uma certa oficialização?
- Primeiro: o Estado não pode desinteressar-se do bem comum, e a vida moral e espiritual são componentes essenciais dele, ou antes, aquilo que dá o sentido e o valor e o fim. Repito a frase de Salazar: «o Estado tem diante de si, como a primeira realidade, a formação católica do povo português». E, se quiser manifestar religiosamente os seus sentimentos, não terá outra linguagem senão a católica, como a França, para exprimir as últimas homenagens a De Gaulle.
Segundo: o Estado e a Igreja encontram-se ambos ao serviço dos mesmos homens, especialmente na educação da juventude e na constituição da família. Vai o Estado contrariar aquela primeira realidade? É voltar à negregada e impossível Lei de Separação. Vai ficar neutro e indiferente perante ela? É abandonar o homem no que lhe é mais essencial à sua educação e seu destino, enfraquecendo a alma da Nação.
O princípio da separação não significa nem hostilidade nem indiferença. A cooperação significa entendimento sincero e confiante do Estado e da Igreja no campo em que se encontram juntos ao serviço dos mesmos súbditos, porém sem confusão de funções. Entendem-se, mas não se substituem.
Autonomia e cooperação: eis as duas grandes coordenadas da relação Igreja-Estado, e, de modos e graus diversos, existentes nos fatos e nas intenções dos países europeus de tradição católica. São preceitos da consciência nacional e clara orientação do Concílio. Vale a pena citá-lo: «No terreno que lhes é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas. Mas ambas, embora a títulos diferentes, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens. Exercerão tanto mais eficazmente este serviço para bem de todos, quanto mais cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo em conta as circunstâncias de lugar e de tempo.
Com efeito, o homem não está confinado somente á ordem temporal, mas, vivendo na história humana, guarda inteiramente a sua vocação eterna» (Const. Pastoral sobre a Igreja, n.76).
Mais explícito, no Decreto sobre a Liberdade Religiosa, n.6, o Concílio dirá: compete ao Estado «assumir eficazmente a proteção da liberdade religiosa de todos os cidadãos a proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento da vida religiosa».
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6 – Privilégios da Igreja?
- O sentido da cooperação de que Vossa Eminência acaba de falar justifica especial posição do Estado em relação à Igreja, sem diminuição ou negação do que é devido às diferentes comunidades religiosas. Mas parecem repugnar ao espírito do nosso tempo os privilégios concedidos à Igreja…
- Não tem apego aos privilégios a Igreja de hoje, e até declara, no passo, invocado acima, do Concílio, que «não coloca a sua esperança em privilégios dados pela autoridade civil», e de boa vontade renunciará a eles se põem em dúvida a sinceridade do seu testemunho, ou se novas condições de vida o exigem.
Mas dói muito à Igreja que se venha falar dos seus privilégios, depois das duas espoliações que sofreu no espaço de um século e sobretudo do heróico exemplo, de que é testemunha a Concordata, da aceitação leal da separação, e da renúncia à assistência material do Estado (exemplo único na Europa, salvo a França). Lembre-se o que se disse no Parecer da Câmara Corporativa das Sessões de 1940, n.88, 23 de Maio): «Neste domínio não é de admirar a generosidade do Estado, mas antes o alto espírito de renúncia que, por parte da Igreja, a Concordata revela». E não se esqueça que bem parca é a compensação de isenções (que em si próprias tinham justificação). Dói ainda à Igreja que, em vez de se apontarem os seus supostos privilégios, se não lhe faça a justiça que merece pelo serviço sem preço da sua obra de formação moral do povo português.
Privilégios ou serviços? Privilégios, não; são antes serviços religiosos ou educativos da Igreja, reconhecidos, facultados ou garantidos pelo Estado, na missão deste de assegurar a liberdade, a ordem e o bem comum, atenta a realidade católica portuguesa. O Estado não os oficializa, não os torna serviços oficiais, não obriga as consciências, não sai da sua natureza profana, secular. Numa palavra, o Estado coopera, não se clericaliza.
E, pelo que diz respeito às isenções, o caso refere-se aos estabelecimentos de formação eclesiástica; quanto às igrejas, nunca elas foram tributadas. Trata-se aqui do caso daquela mesquinha compensação já referida. Não seria antes o caso de reclamar que o Estado os subsidiasse substancialmente, como estabelecimentos quase gratuitos de promoção cultural e social de grande parte da juventude portuguesa? Não se sabe que é insignificante o número dos que chegam a ordenar-se? Não têm eles dado ao País alguns dos seus homens mais ilustres, que o Estado se esqueceria de descobrir?
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7 – Explicação de Alguns Casos
- Todavia, apontam-se concretamente alguns casos, que mereceriam talvez explicação. Por exemplo: considerar como crime público a injúria ou a ofensa ao ministro religioso no exercício do seu ministério, punindo-as com as penas aplicadas aos crimes contra as autoridades públicas; e, semelhantemente, a punição de uso indevido do hábito religioso ou eclesiástico; a graduação dos capelães militares em oficiais; e o ensino obrigatório da religião e moral católica nas escolas oficiais.
- Não se vê em que a equiparação aludida de penas possa ofender a consciência laica; é apenas equitativo sinal de respeito pelo culto religioso duma autoridade que a Concordata foi buscar ao art.º 12.º da Lei da Separação. Deriva do dever do Estado de garantir a liberdade religiosa.
Quanto à graduação em oficiais dos capelães militares, deve explicar-se que representa apenas o modo digno e eficaz da sua presença junto das forças armadas. Não lhe são atribuídas funções militares. A sua missão é, e continua a ser, puramente religiosa e moral.
Mereceu ao Concílio especial atenção a «assistência espiritual aos soldados». Ela, proclama ele, «exige um grande cuidado, devido ás suas condições especiais de vida», e «os capelães devem consagrar-se inteiramente a esta difícil tarefa». Para que ela fique sempre sujeita aos seus Bispos, reclama o Concílio: «exija-se…um vicariato castrense em cada nação». (Decr. Munus Past. Dos Bispos, n 43).
Sobre o ensino religioso nas escolas oficiais, é falso que ele seja obrigatório. O regime atual já prevê que dele seja dispensado aquele cujo encarregado de educação o requerer.
O que precede demonstra que ele não poderia deixar de figurar na nossa educação escolar. E a lição dos outros países de tradição católica no-lo ensinaria. A última a chegar, impedida pelo laicismo, foi a França.
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8 – A Indissolubilidade do Casamento Canónico
- O último problema levantado pela Concordata, e contra o qual se tem lido e ouvido contestação, é o relativo à indissolubilidade do casamento canónico…
- Efetivamente é até só contra ele, isto é, contra a incapacidade dos casados na Igreja Católica de se divorciarem, que têm chegado até mim várias reclamações.
Distingamos, segundo o preceito escolástico, para melhor esclarecer o problema. O casamento católico e o casamento civil são igualmente reconhecidos pelo Estado, mas este não altera a natureza e consequências de cada um.
O casamento civil, regulado pelo Estado, admite o divórcio; o casamento católico, elevado por Cristo à dignidade do sacramento, não o admite, é indissolúvel. Encontramos aqui, mais uma vez no aspeto civil, a desigualdade da lei para situações essencialmente desiguais. O impedimento do divórcio para casamentos canónicos é consequência do reconhecimento pelo Estado do casamento-sacramento como ele é – reconhecimento aliás imposto pela consciência católica da Nação, verificada através das estatísticas. Não é ofendida a liberdade individual: a forma do casamento não lhes é imposta por lei, é da livre escolha de cada um. Mas, escolhendo o casamento canónico, o nubente escolhe a indissolubilidade; e, se conscientemente fizesse reserva a esta escolha, o casamento ficaria nulo.
Citarei a propósito as lúcidas palavras do P. António Leite, no seu precioso livro O Projeto de Código Civil à Luz da doutrina católica, pág.109: «Não ignoro, nem a Igreja ignora, as tristes situações que se originam em lares desfeitos. O divórcio, porém, não as soluciona. Antes, especialmente nos católicos, vem a criar outras tragédias de consciência gravíssimas e quase insolúveis, além de todos os demais inconvenientes do divórcio».
Julgo poder revelar sem inconveniente o seguinte. Nas sondagens que precederam as negociações para a Concordata, teria sido afirmado não serem de prever dificuldades insuperáveis a um acordo; haveria porém dois pontos de que a Santa Fé fazia questão essencial: a educação cristã da juventude e o reconhecimento do caráter sagrado do casamento.
Entrevista De D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, Concedida a 21 de Janeiro de 1971, á Revista «Novidades»