O historiador Manuel Loff disse hoje nas conferências "Portugal e o
Holocausto" que o discurso antirracista foi fabricado pelo Estado Novo e que
Salazar foi cúmplice involuntário do genocídio.
.
"Tendemos a aceitar que a política de Salazar não era racista e que foi
solidário para com as vítimas dos nazis, eu não aceito", afirmou Manuel Loff, da
Universidade do Porto, durante uma conferência que decorre hoje na Fundação
Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sobre "Portugal e o Holocausto".
O historiador referiu-se às circulares publicadas pelo Estado português em
1938 e 1939 que proibiam a atribuição de passaportes a indivíduos com
nacionalidade indefinida, aos russos e aos judeus "expulsos das suas
nações".
"Salazar não actuava na ignorância das questões do Holocausto", disse o
investigador da Universidade do Porto, para explicar que, no limite, as
indicações de Lisboa durante a guerra foram a de "proteger" judeus nos locais
onde se encontravam.
No caso de Budapeste, explicou Loff, referindo-se aos diplomatas Carlos
Garrido e Sampaio Branquinho - que emitiram passaportes portugueses a judeus
húngaros em 1944, já depois do desembarque Aliado na Normandia -, "há um
carácter excepcional em que a representação portuguesa dá protecção
diplomática", mas sendo conscientes de que seria "tecnicamente impossível" a
viagem da Hungria para Portugal.
"A norma era sempre impedir que os judeus chegassem a Portugal. Protege-los
noutros países. Torna esta atitude Portugal cúmplice no Holocausto? De forma
involuntária é evidente que sim", disse Manuel Loff.
Para o historiador, os acontecimentos sobre o cônsul português Aristides
Sousa Mendes, que emitiu milhares de passaportes a judeus em França durante a II
Guerra Mundial, levaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros português a
"fabricar" a possibilidade de acções nazis contra Lisboa.
"Não há qualquer documento alemão no sentido de eventuais represálias sobre o
caso Aristides Sousa Mendes a sustentar que havia uma razão de Estado e tem, por
isso, um significado de natureza politica e ideológica que é impedir a
reconstituição de uma comunidade judaica em Portugal", explicou Loff.
O antissemitismo está presente na direita integralista e nos círculos
ultra-católicos, mas não foi adoptado oficialmente pelo regime salazarista, que
construiu memórias positivas para eliminar aspectos incómodos do passado,
defendeu Manuel Loff.
"A hegemonia ideológica do mito do não-racismo é uma construção do século XIX
e perdura até hoje. Portugal era um país colonizador e havia racismo, dizer o
contrário pode ser o comum, mas não é científico. O discurso auto-elogioso do
papel de Portugal durante a II Guerra Mundial foi feito pelo próprio regime e
sobreviveu incólume à própria queda do regime" disse ainda Manuel Loff.
Referindo-se à imprensa da época, Loff cita títulos e artigos publicados no
Diário de Notícias e no Diário da Manhã que indicavam: "em Portugal não há
problema judaico porque foi resolvido no século XVI" ou as "características
odiosas dos judeus constituem três ameaças: maçónica, bolchevista e
judaica".
A conferência "Portugal e o Holocausto - Aprender com o Passado, Ensinar para
o Futuro" realiza-se a partir de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em
Lisboa, e vai reunir especialistas, académicos e políticos portugueses e
internacionais.
Jornal Económico

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