quarta-feira, outubro 31, 2012

Embaixador de Israel diz que Portugal tem "uma nódoa" que os judeus não esquecem

O tema era o ensino do Holocausto e o embaixador de Israel em Lisboa, Ehud Gol, aproveitou-o para exortar Portugal a assumir as suas responsabilidades.
Com palavras duras, Gol lembrou terça-feira, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, que Portugal "foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias", quando soube da morte de Adolf Hitler. "É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal", exclamou.
"Recuso-me a suportar o peso dessa nódoa", respondeu-lhe um professor da Universidade de Coimbra, que se encontrava na sala repleta para mais uma sessão da conferência Portugal e o Holocausto, aprender com o passado, ensinar para o futuro, que terminou ontem. O docente lembrou que o país vivia então em ditadura e que os gestos do Governo de então não podem ser imputados aos portugueses. "O passado é doloroso. O Portugal de hoje não é o mesmo do passado, como a Alemanha de hoje também não é a mesma do passado, mas os países têm de assumir responsabilidades pelo seu passado", respondeu Gol.
Não foi a única crítica. O embaixador de Israel contou que, ainda há dias, foram ter como ele para lhe expor de novo o problema da Casa do Passal, em Cabanas do Viriato, onde viveu Aristides Sousa Mendes, e que se encontra em risco de derrocada devido a uma guerra de poder na fundação com o nome do diplomata, que é proprietária do palacete construído no século XIX. Sousa Mendes foi cônsul de Portugal em Bordéus durante a II Guerra Mundial. Contra as ordens de Salazar passou mais de 30 mil vistos a judeus perseguidos, para poderem abandonar a França ocupada em direcção a Portugal. Exonerado do cargo, acabou por morrer na miséria.
Sousa Mendes é um dos "justos das nações do mundo", o título dado por Israel a cidadãos não-judeus que ajudaram judeus a escapar ao Holocausto. Na Avenida dos Justos figuram 25 mil nomes e apenas dois são de portugueses, recordou ontem o embaixador de Israel. "Não venham ter connosco, ou com os EUA, para tratarmos da casa. Façam vocês algo para promoverem a imagem dos vossos "justos"", exortou. O outro "justo" português é Carlos Sampayo Garrido, embaixador de Portugal em Budapeste entre 1939 e 1944, que em conjunto com o seu encarregado de negócios, Teixeira Branquinho, ajudou mais de mil judeus húngaros. A sua saga foi revelada pelo PÚBLICO em 1994.
O embaixador de Israel em Lisboa mostrou também não compreender as razões que levam Portugal a ser apenas um observador na Task Force Internacional para a Educação, Memória e Investigação do Holocausto, uma organização intergovernamental criada em 1998 e de que são membros 31 países. "Já chega de ser apenas um observador. Portugal tem obrigação de ser um membro de parte inteira da Task Force", criticou Gol. O embaixador revelou que se encontrou recentemente com o ministro da Educação, Nuno Crato, e que o exortou a assinar um acordo com o Governo de Israel para que "os professores portugueses aprendam a ensinar o Holocausto". Esta formação é ministrada pela escola internacional do Yad Vashen, o memorial do Holocausto em Jerusalém. Por iniciativa da MEMOSHOÁ - Associação Memória e Ensino do Holocausto, foram já organizados quatro seminários de formação de professores portugueses. O embaixador de Israel defende, contudo, que "está mais do que na hora de esta formação ser mais institucionalizada", através de um acordo entre os dois governos.
Gol lembrou os seus tempos de jovem em Israel, uma altura em que os sobreviventes dos campos de concentração andavam sempre de camisas com mangas compridas para esconder o número inscrito na pele. "Eles tinham vergonha e nós também, porque não tínhamos lutado o suficiente", conta. A memória do Holocausto em Israel começou assim.

O Público

segunda-feira, outubro 29, 2012

Salazar foi cúmplice "involuntário" do Holocausto

O historiador Manuel Loff disse hoje nas conferências "Portugal e o Holocausto" que o discurso antirracista foi fabricado pelo Estado Novo e que Salazar foi cúmplice involuntário do genocídio.
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"Tendemos a aceitar que a política de Salazar não era racista e que foi solidário para com as vítimas dos nazis, eu não aceito", afirmou Manuel Loff, da Universidade do Porto, durante uma conferência que decorre hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sobre "Portugal e o Holocausto".
O historiador referiu-se às circulares publicadas pelo Estado português em 1938 e 1939 que proibiam a atribuição de passaportes a indivíduos com nacionalidade indefinida, aos russos e aos judeus "expulsos das suas nações".
"Salazar não actuava na ignorância das questões do Holocausto", disse o investigador da Universidade do Porto, para explicar que, no limite, as indicações de Lisboa durante a guerra foram a de "proteger" judeus nos locais onde se encontravam.
No caso de Budapeste, explicou Loff, referindo-se aos diplomatas Carlos Garrido e Sampaio Branquinho - que emitiram passaportes portugueses a judeus húngaros em 1944, já depois do desembarque Aliado na Normandia -, "há um carácter excepcional em que a representação portuguesa dá protecção diplomática", mas sendo conscientes de que seria "tecnicamente impossível" a viagem da Hungria para Portugal.
"A norma era sempre impedir que os judeus chegassem a Portugal. Protege-los noutros países. Torna esta atitude Portugal cúmplice no Holocausto? De forma involuntária é evidente que sim", disse Manuel Loff.
Para o historiador, os acontecimentos sobre o cônsul português Aristides Sousa Mendes, que emitiu milhares de passaportes a judeus em França durante a II Guerra Mundial, levaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros português a "fabricar" a possibilidade de acções nazis contra Lisboa.
"Não há qualquer documento alemão no sentido de eventuais represálias sobre o caso Aristides Sousa Mendes a sustentar que havia uma razão de Estado e tem, por isso, um significado de natureza politica e ideológica que é impedir a reconstituição de uma comunidade judaica em Portugal", explicou Loff.
O antissemitismo está presente na direita integralista e nos círculos ultra-católicos, mas não foi adoptado oficialmente pelo regime salazarista, que construiu memórias positivas para eliminar aspectos incómodos do passado, defendeu Manuel Loff.
"A hegemonia ideológica do mito do não-racismo é uma construção do século XIX e perdura até hoje. Portugal era um país colonizador e havia racismo, dizer o contrário pode ser o comum, mas não é científico. O discurso auto-elogioso do papel de Portugal durante a II Guerra Mundial foi feito pelo próprio regime e sobreviveu incólume à própria queda do regime" disse ainda Manuel Loff.
Referindo-se à imprensa da época, Loff cita títulos e artigos publicados no Diário de Notícias e no Diário da Manhã que indicavam: "em Portugal não há problema judaico porque foi resolvido no século XVI" ou as "características odiosas dos judeus constituem três ameaças: maçónica, bolchevista e judaica".
A conferência "Portugal e o Holocausto - Aprender com o Passado, Ensinar para o Futuro" realiza-se a partir de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e vai reunir especialistas, académicos e políticos portugueses e internacionais.
 
Jornal Económico

sábado, outubro 27, 2012

Se dependesse de Winston Churchill, os capangas de Hitler tinham sido todos abatidos

Diários de Guy Liddell, vice-director-geral do MI5, foram ontem tornados públicos pelo arquivo nacional britânico.
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Winston Churchill terá apresentado um plano para matar os homens-de-mão de Adolf Hitler em vez de serem julgados pelo Tribunal de Nuremberga, na Alemanha. No entanto, segundo os diários de guerra do espião Guy Liddell, o primeiro-ministro britânico terá sido dissuadido pelo então líder da União Soviética, Estaline, e pelo presidente norte- -americano Franklin Roosevelt.
Nas memórias do espião inglês, na altura vice-director-geral do MI5, a ideia de Churchill era apoiada pelo responsável máximo da acusação pública, Theobald Mathew, e contrária ao que tinha ficado estabelecido na Conferência de Ialta, em Fevereiro de 1945, que contou com a participação dos líderes dos principais países aliados contra as potências do Eixo – Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido.
“O responsável máximo da acusação pública tinha recomendado que devia ser uma comissão de inquérito a chegar à conclusão que certas pessoas deveriam ser abatidas. Outros deveriam receber diferentes penas de prisão”, escreveu Liddell. “Winston tinha apresentado esta ideia em Ialta, mas Roosevelt achou que os americanos iriam querer um julgamento. Joe (Estaline) apoiou Roosevelt e os motivos que apresentou eram os verdadeiros, que os russos gostavam de grandes julgamentos públicos com objectivos propagandísticos”, acrescenta.
Segundo a BBC, os diários – disponibilizados ontem pelo arquivo nacional do país – proporcionam ao leitor uma visão única dos serviços secretos britânicos, durante um dos períodos mais difíceis da sua existência. “Foi uma época de traição”, explicou Stephen Twigge, do arquivo nacional. “O mundo estava a desmoronar-se à sua volta e tudo o que aconteceu está nos seus diários”, sublinhou.
Outra das grandes revelações das memórias do espião britânico são os últimos dias de Hitler. Segundo os relatos de Liddell, o líder nazi terá dito, num bunker em Berlim, que o povo alemão “merecia morrer” e que tinha sido traído por todos os que o rodeavam. “Hitler entrou às 8h30, um homem completamente destruído. Apenas alguns oficiais do exército estavam com ele. Himmler aconselhou Hitler a abandonar Berlim”, conta o vice-director-geral do MI5.
“De repente Hitler começou a fazer um dos seus discursos característicos: ‘Toda a gente me mentiu, toda a gente me enganou, ninguém me disse a verdade. As forças armadas mentiram-me e agora as SS deixaram-me desamparado. O povo alemão não lutou de forma heróica, merece morrer. Não fui eu que perdi a guerra, mas o povo alemão’”, terá dito o líder pouco tempo antes de ter um “colapso nervoso”. Liddell conta que em seguida o líder nazi começou a ficar roxo, o seu braço esquerdo começou a contorcer-se e deixou de ser capaz de apoiar o pé esquerdo no chão.
Por seu turno, na noite em que se suicidou, a 30 de Abril de 1945, Hitler estava “calmo”. Segundo o que parecem ser declarações de Albert Speer, ministro do Armamento do regime, ao espião britânico, o líder nazi via a morte como um “alívio” e sabia que a guerra estava perdida.
Apesar de em tempos ter sido acusado de traição, os diários mostram, segundo a BBC, que Guy Liddell era apenas um homem do MI5 a tentar fazer o que estava ao seu alcance, entre amizades desonestas. Em 1953, quando esperava ser nomeado director-geral dos serviços secretos britânicos, sucedendo a David Petrie, os rumores de que poderia ser um agente duplo fizeram-no reformar- -se antes do tempo. Morreu em 1958, aos 66 anos, de ataque cardíaco.
 
Jornal I

segunda-feira, outubro 01, 2012

Morreu o historiador Eric Hobsbawm

O historiador, conhecido por se ter mantido fiel ao marxismo, morreu no Royal Free Hospital, em Londres, como consequência directa de uma pneumonia, avançou à BBC a sua filha Julia.
Hobsbawm escreveu várias obras que o tornaram uma referência mundial, entre as quais se destacam quatro livros marcantes sobre a História europeia de 1789 a 1991 – “A Era das Revoluções” (1962), "A Era do Capital" (1975), "A Era do Império" (1987) e "A Era dos Extremos" (1994). A sua autobiografia, “Tempos Interessantes: Uma Vida no Século XX”, foi publicada em 2002.
Eric John Ernest Hobsbawm nasceu em Alexandria, a 9 de Junho de 1917, durante o protectorado britânico no Egipto. Os seus pais – ele britânico, ela austríaca – mudaram-se para Viena, quando Eric Hobsbawm tinha dois anos de idade, e mais tarde para Berlim. Filiou-se no Partido Comunista aos 14 anos, já após a morte dos seus pais.
"Os meses da minha estadia em Berlim fizeram de mim um comunista para toda a vida, ou, pelo menos, um homem cuja vida perderia a sua marca característica e o seu sentido sem o projecto político a que se consagrou quando estudante, e isto apesar de esse projecto ter manifestamente falhado e de eu saber hoje que estava, de facto, condenado a falhar. O sonho da Revolução de Outubro permanece algures vivo em mim, nalgum recanto da minha intimidade, como se se tratasse de um desses textos que foram apagados, mas que continuam à espera, perdidos no disco duro de um computador, que um especialista apareça para os recuperar”, escreveu na sua autobiografia.
Era membro da Academia Britânica e da Academia Americana de Artes e Ciências. Foi professor de História no Birkbeck College da Universidade de Londres e na New School for Social Research, em Nova Iorque.