quinta-feira, dezembro 05, 2013

Cunhal em 2013 por Manuel Loff no Público

Álvaro Cunhal nasceu há cem anos. O partido que deu sentido à sua vida, e ao qual ele dedicou quase toda a sua existência, decidiu comemorar o centenário. Não só: muitas instituições públicas, associações, as mais variadas entidades, sem nada a ver com o PCP, o fizeram também.
Há quem tenha visto nestas comemorações “culto da personalidade” e uma espécie de “beatificação laica”, pretendendo sublinhar uma contradição entre essa atitude e os princípios ideológicos comunistas de valorização do coletivo perante o contributo individual, lembrando que Cunhal recusara sempre esse “culto”. Honestamente, não vi nada disso. Era razoável esperar que o PCP não comemorasse, no Portugal de 2013, uma personagem cujo legado político, e até humano, é uma antítese do Homo neoliberalus?
Nenhuma História de natureza científica pode desprezar a dimensão social e, portanto, enquadrar coletivamente a ação dos indivíduos. Mas isso não impede que se possa sublinhar o papel de indivíduos excecionais, pelo seu percurso, pela sua persistência, pela sua capacidade. Não sou especialmente sensível à História biográfica, mas é óbvio que Cunhal foi um homem incomum. E não o foi, evidentemente, por alguma predestinação ou superioridade intrínseca; foi-o porque a sua história pessoal e a história do país, do mundo, em que viveu o tornou excecional. Não simplesmente (como se isso fosse simples...) pela dificílima opção de vida que fez, e quando a fez, com as duríssimas consequências que lhe trouxe; não porque, podendo dispor da vida regalada que à sua classe social era facilmente acessível numa sociedade desigual como a portuguesa, especialmente sob a ditadura, tenha optado por uma luta que o despojou de todos os privilégios sociais e que o obrigou a munir-se de toda a resiliência de que era capaz para conseguir viver uma vida clandestina feita de secretismo, fuga, suspeita e prisão, mas também de solidariedade e altruísmo recíprocos, de um empenho muito para lá do que é razoável pedir a qualquer ser humano. Cunhal tornou-se comunista num momento em que se consolidava a ditadura contra a qual decidiu lutar, quando esta, além de revelar ser capaz de esmagar toda a oposição à sua volta, escolhera os comunistas como seu inimigo principal. Foi preso aos 23 anos, de novo aos 27 e aos 35. Só uma fuga audaz o conseguiu tirar da cadeia, tinha ele 46. Só pôde caminhar livremente em Portugal aos 60 anos. Se lhe perguntavam pela dureza da clandestinidade e da prisão, recordava sempre que outros tinham passado por condições piores, que tinham até morrido “sem nunca desistir da luta pela liberdade em Portugal” (declaração ao XIV Congresso do PCP, 1992). Por outras palavras, não foi o único, mas foi um deles.
Cunhal foi dos primeiros dirigentes políticos em Portugal que procurou associar, de forma coerente, uma análise social da realidade com a intervenção nela, que se abalançou a um estudo político, económico, social, cultural, histórico, da sociedade portuguesa. Fê-lo condicionado pela clandestinidade, pela prisão ou pelo exílio, mas produziu alguns dos textos políticos (o Rumo à Vitória, 1964, antes de mais) que se tornaram referência para a História do séc. XX português. Se comparássemos, por absurdo, com o deliberado empirismo (para lhe não chamar outra coisa) da reforma do Estado de Portas, anos-luz separariam a qualidade metodológica de uma coisa e outra! O empenho de Cunhal na discussão sobre o papel social da Arte, da criação cultural, é reflexo desta necessidade de conhecimento objetivo da realidade para poder atuar sobre ela.
É também por isso que ajudou a construir um Partido Comunista Português, cujas opções políticas centrais resultaram, mais do que em muitos outros casos, de uma avaliação própria, autónoma, dos problemas. O Cunhal aclamado pelo movimento comunista internacional nos anos 60 e 70, com a aura de quem protagonizara a fuga de Peniche depois de 11 anos de cadeia e tortura, em defesa de cuja libertação se haviam mobilizado tantos, como Jorge Amado ou Pablo Neruda, que viveu na URSS, na Roménia, em França, nunca se terá deixado, como reconhece o seu biógrafo Pacheco Pereira, fechar na redoma do exílio. O PCP preocupara-se sempre em manter a sua direção no interior do país. Forçado a sair para o exílio um ano depois da sua fuga, Cunhal mostrou bem, ao contrário do que os seus adversários sempre dele disseram, ser dirigente de um partido com cabeça própria relativamente a Moscovo, quer quando rejeitou essa espécie de “transição pacífica” que se deduzira para o caso português da política soviética de “coexistência pacífica” à escala internacional, quer na atuação do PCP na Revolução portuguesa. Confundir a radicalidade política do PCP com “ortodoxia pró-soviética”, como sempre por aí se papagueou, é não querer perceber a diferença de fundo entre as políticas seguidas pela direção soviética e a opção de Cunhal, em 1965, pela “revolução democrática e nacional” como “via para o derrubamento da ditadura fascista”. Só um partido comunista com uma identidade própria podia ter sobrevivido, como sobreviveu, à implosão do modelo soviético.
Comemorou-se Cunhal este ano, como vamos ver o PS, e não só, comemorar Soares em 2024. Pode a direita ter o problema de não ter mais ninguém senão Salazar para comemorar – o que (ainda!) não é fácil. Mas era inevitável comemorar Cunhal num momento desgraçado como aquele que vivemos.

sexta-feira, novembro 22, 2013

Adega gigante com 3700 anos descoberta em Israel

Uma enorme adega com 33,75 metros quadrados foi descoberta no local de Tel Kabri, uma ruína arqueológica com 30 hectares pertencente a uma antiga cidade cananeia, no Norte de Israel. Os arqueólogos desenterraram 40 vasilhas, cada uma com uma capacidade de 50 litros, de 1700 anos antes de Cristo. O achado é anunciado nesta sexta-feira, na reunião anual da organização American Schools of Oriental Research, em Baltimore, nos Estados Unidos.
“Isto é uma descoberta significativa de enorme dimensão – é uma adega que, tanto quanto sabemos, é largamente inigualável em dimensão e em idade”, defende Eric Cline, co-director da escavação, da Universidade de George Washington, nos Estados Unidos.
Os investigadores estavam a escavar numa residência palaciana numa antiga cidade cananeia, cujos vestígios arqueológicos se situam hoje perto da cidade israelita de Nahariya. Esta região foi colonizada pela primeira vez há 16.000 anos. A cidade cananeia – uma denominação mais geográfica do que étnica associada às cidades existentes na região que hoje abrange Israel, o Líbano e partes da Jordânia e da Síria – é da Idade do Bronze, e esteve activa entre os anos 2000 a.C. e 1550 a.C.
A equipa de arqueólogos começou por desenterrar uma vasilha, a que acabou por chamar Bessie. “Escavámos, escavámos e, de repente, começaram a aparecer as amigas da Bessie – cinco, dez, 15... No final, eram 40 vasilhas acumuladas numa adega com uma área de 4,5 por 7,5 metros”, diz Eric Cline. Segundo as contas dos investigadores, o volume total de vinho guardado nestas vasilhas seria de 2000 litros, o equivalente a 3000 garrafas de vinho.
“A adega estava localizada perto de um salão onde se realizavam banquetes, um local onde a elite de Tel Kabri e, possivelmente, convidados estrangeiros consumiam carne de cabra e vinho”, diz, por sua vez, Assaf Yasur-Landau, o outro director da escavação, da Universidade de Haifa, em Israel. “A adega e o salão foram destruídos todos ao mesmo tempo, durante o mesmo fenómeno, talvez um sismo, que cobriu as salas com tijolos de barro e gesso.”
Os investigadores fizeram uma análise à composição do líquido guardado nas vasilhas. Além de ácido tartárico e ácido siríngico, dois componentes importantes do vinho, os investigadores encontraram vestígios de ingredientes que eram populares nos vinhos daquela altura: mel, menta, pau de canela, bagas de zimbro e resina. Os investigadores querem analisar melhor a composição deste vinho para tentar reproduzi-lo.
 
Público

quarta-feira, junho 19, 2013

O diário da viagem de Vasco da Gama à Índia inscrito na lista da Memória do Mundo

A UNESCO destaca a importância que a viagem do navegador português teve no desencadear de “uma série de acontecimentos que viriam a transformar o mundo”.
 
Uma cópia coeva do diário da primeira viagem comandada por Vasco da Gama na descoberta do caminho marítimo para a Índia (1497-99), atribuído a Álvaro Velho, foi na terça-feira inscrito pela UNESCO na lista do património Memória do Mundo.
Este documento relevante da História dos Descobrimentos, actualmente propriedade da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), fazia parte do conjunto de 84 pedidos de inscrição enviados à reunião que o comité da UNESCO está a realizar na cidade de Gwangju, na Coreia do Sul – simultaneamente, no Camboja, o Comité do Património Mundial da UNESCO tem sobre a mesa outro pedido português: a classificação da Universidade de Coimbra.
O diário da descoberta do caminho marítimo para a Índia foi um dos 54 documentos e testemunhos históricos agora classificados. Sobre ele, a UNESCO diz tratar-se de “um testemunho verdadeiro da forma como Vasco da Gama, à frente da sua frota, descobriu a rota marítima para a Índia”. E acrescenta que esta foi uma aventura “sem precedentes” e “um momento determinante que mudou o curso da História”. “Além de constituir uma das maiores explorações marítimas realizadas, à época, pelos europeus, a viagem de Vasco da Gama originou “uma série de acontecimentos que viriam a transformar o mundo”.
A directora da BPMP, Carla Fonseca, manifestou o “grande orgulho” – “nosso e de todos os portuenses e portugueses” – proporcionado pela classificação, que considera “muito merecida”.
 
Lembra que a candidatura foi uma iniciativa do presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e da sua vereadora do pelouro do Conhecimento e Coesão Social, Guilhermina Rego, e que foi lançada no ano passado num processo moroso. E Carla Fonseca compara mesmo a classificação do diário da viagem de Vasco da Gama à do Porto Património da Humanidade.
 
“Trata-se de um dos poucos documentos sobre a viagem de Vasco da Gama que sobreviveram a calamidades e incúria e está conservado na Biblioteca Municipal do Porto”, diz Francisco Bethencourt, historiador do Departamento de História do King's College de Londres e especialista em História da Expansão, numa resposta enviada por email. “É impossível reconstituir a viagem sem este relato, cópia da época, escrito por um dos participantes, muito provavelmente Álvaro Velho.”
Para Bethencourt, que fez um relatório para a candidatura – que foi também recomendada por José Marques, professor de História jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e por Jorge Flores, do Instituto Universitário Europeu de Florença –, a classificação da UNESCO sublinha “o carácter único deste relato sobre o momento decisivo de abertura das relações marítimas entre a Europa e a Ásia protagonizado pelos portugueses”. Já as interpretações sobre as consequências da viagem divergem – “desencravamento do mundo ou abertura da 'caixa de Pandora' dos males do colonialismo"  –, “mas o papel mediador dos portugueses entre a Ásia e a Europa, o Índico e o Atlântico e mesmo entre o Índico e o Pacífico é indiscutível”.
José Marques manifestou também ao PÚBLICO a sua satisfação pela decisão da UNESCO. “É uma excelente notícia para Portugal e para a difusão da nossa presença no mundo, e que vem lembrar – como a UNESCO, aliás, refere – que a viagem de Vasco da Gama deu novos mundos ao mundo”.
Este professor e historiador considera ainda que a classificação “ajuda a levantar um bocadinho o moral dos portugueses nestes tempos de crise que estamos a viver”. José Marques realça, por outro lado, que esta é uma obra também “muito interessante como objecto”. Uma peça que os interessados poderão admirar através do fac-simile disponibilizado nos sites tanto da BPMP como da Faculdade de Letras da Universidade do Porto – onde pode ser consultada on line na colecção Gâmica da Biblioteca Digital, acrescentada de uma leitura crítica do próprio José Marques.
Uma réplica do diário esteve exposto, em 2008, na Biblioteca do Barreiro – terra natal do cronista Álvaro Velho, e integra actualmente a exposição Da África, da América e da Ásia, patente na BPMP, que mostra outros livros de viagens e testemunhos das conquistas e colonização portuguesa em territórios destes três continentes.
Tanto o diário da viagem de Vasco da Gama como muitas das publicações agora expostas no Porto chegaram aos fundos da BPMP por decisão do rei D. Pedro IV e pela mão de Alexandre Herculano, vindos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, em 1834, na sequência da lei do ministro Joaquim António de Aguiar que decretou a extinção das ordens religiosas, conventos e mosteiros e a secularização dos seus bens.
Entre a lista dos 54 novos ítems da Memória do Mundo, que no total passa a ter 299 entradas, encontram-se os documentos que testemunham a viagem que o segundo imperador do Brasil, Pedro II (1825-1891), fez no seu país e a outros de quatro continentes diferentes durante o seu reinado. Também pedido pelo Brasil, foram classificados os arquivos de arquitectura de Oscar Niemeyer, o famoso arquitecto de Brasília falecido em Dezembro do ano passado, aos 104 anos.
Os registos audiovisuais compilados pelo documentarista e foto-jornalista Max Stahl relativos ao nascimento de Timor-Leste como país independente estão igualmente na lista da Memória do Mundo; o mesmo acontecendo com os manuscritos das obras históricas de Karl Marx, Manifesto do Partido Comunista e O Capital, e com a colecção de documentos relativos à vida de Ernesto Che Guevara, incluindo o seu diário de guerrilheiro na Bolívia.
 
Público

Importante cidade maia descoberta no leste do México

A cidade, que se estende por 22 hectares do Estado mexicano de Campeche, esteve escondida na floresta durante séculos até ser descoberta há duas semanas por uma equipa que a batizou como Chactun, "Pedra Vermelha" ou "Pedra Grande" em maia, indicou o INAH num comunicado divulgado na terça-feira à noite.
"Trata-se de um dos maiores locais das terras baixas centrais" da civilização maia, disse Ivan Sprajc, arqueólogo do Centro de Investigação Científica da Academia eslovena das Ciências e das Artes, que dirigiu a expedição.
Sprajc adiantou que a descoberta foi possível através de fotografias aéreas e da técnica da estereoscopia.
"São estelas (colunas) e altares -- alguns dos quais conservam restos de estuque -- que melhor refletem o esplendor da cidade", contemporânea de outras cidades maias como Calakmul, Becan e El Palmar, refere o INAH, segundo a agência France Press.
O local tem numerosas construções de tipo piramidal com até 23 metros de altura, assim como terrenos de jogo, praças, monumentos e zonas de habitação.
 
DN

terça-feira, janeiro 15, 2013

Morreu o mais jovem sobrevivente da lista de Schindler

Leon Leyson tinha dez anos quando a Alemanha invadiu a Polónia. Com 13 trabalhava numa fábrica do homem que salvou 1100 judeus do Nazismo. Morreu aos 83, nos EUA, para onde emigrou.
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Morreu no sábado o mais novo sobrevivente da lista de Schindler. Leon Leyson era um o rapaz que trabalhava na fábrica de Schindler em cima de uma caixa de cartão. Tinha 83 anos e morreu em casa, em Fullerton, nos Estados Unidos, depois de quatro anos a lutar contra um linfoma.
O empresário alemão Oskar Schindler salvou mais de mil judeus do Holocausto empregando-os numa fábrica em Cracóvia, Polónia. O mais novo era Leon Leyson, ou o “Pequeno Leyson” como lhe chamava.
Leib Lejzon, agora Leon Leyson, nasceu a 15 de Setembro de 1929 em Narewka, uma aldeia polaca próxima da fronteira com a Rússia. Dez anos depois, com a invasão nazi, a vida deu uma volta inesperada e o rapaz passou a ter de viver num gueto com a família. O pai foi trabalhar para a fábrica de vidro de Schindler, que alegava que os judeus eram necessários para a produção e, assim, evitava que fossem deportados para campos de concentração.
Leon Esperou três anos e conseguiu convencer um oficial alemão de que o seu nome também tinha de constar na famosa lista de Schindler. Aos 13 anos, tinha de subir para uma caixa para alcançar as máquinas, mas a sua determinação e a bondade de Schindler salvaram-lhe a vida.
Em 1949, emigrou para Los Angeles, nos Estados Unidos, e com a experiência adquirida na fábrica, estudou Artes Industriais. Passou a maior parte da vida a trabalhar como professor numa escola secundária. Segundo contou a filha Stacy Wilfong ao jornal Los Angeles Times, Leyson raramente falava na experiência de infância.
“A verdade é que eu não vivi a minha vida na sombra do Holocausto”, justificou Leyson numa entrevista ao jornal The Oregonian, em 1997. “Não dei aos meus filhos um legado de medo. Dei-lhes um legado de esperança”, acrescentou.
Porém, este silêncio havia de se romper quando, em 1993, o realizador Steven Spielberg decidiu levar a história para os ecrãs. A partir de então, Leyson passou a dar palestras e percebeu que o mundo estava, efectivamente, interessado na história do “Pequeno Leyson”.
“Cada vez que ele contava a sua história ele nunca recorria a notas, nem nunca dava a mesma palestra duas vezes. [A história] vinha sempre da sua cabeça e do seu coração”, contou Marilyan Harran, amiga de Leyson e professora na Universidade de Chapman, Califórnia, aos meios de comunicação americanos. “Isso fazia as pessoas irem embora a saber que queriam ser pessoas melhores, preocuparem-se mais, lembrando-se não só do Holocausto, mas de que nunca podemos ser indiferentes”, recordou.
Em 1974, numa visita de Oskar Schindler a Los Angeles, Leyson fez parte do grupo de judeus que o foram receber ao aeroporto. No entanto, quando o alemão chegou, Leyson não foi capaz de lhe falar. Mas Schindler reconheceu-o: “Eu conheço-te. És o ‘Pequeno Leyson’”, disse-lhe. Foi a única vez que se viram desde que Leyson deixara a Polónia.
Em Fevereiro vai ser construído um memorial em sua homenagem na capela da Universidade de Chapman.

terça-feira, janeiro 08, 2013

A misteriosa guerra dos portugueses na Índia que só existiu na Wikipedia


Durante cinco anos, e até ao mês passado, leu-se na Wikipedia que entre 1640 e 1641 Portugal entrou em conflito com o império Marata, um império hindu localizado no planalto do Decão, na zona central da Índia, perto de Goa. Na página lia-se que “Portugal colonial entrou em confronto em Goa [...] numa guerra que ficou chamada conflito de Bicholim” como se tal tivesse acontecido. É que tudo não passou de uma invenção de um utilizador da Wikipedia e a página já nem existe.
“Conflitos existem centenas, alguns foram reportados e outros terão sido inventados. É preciso é que exista documentação histórica que sustente a informação e para isso a Wikipedia não serve”, diz ao PÚBLICO o historiador Luís Frederico Dias Antunes, cuja área de investigação é a expansão na Índia, afirmando que nunca tinha ouvido falar no conflito. No entanto, não se mostrou surpreendido por episódios como este acontecerem num universo como o da Wikipedia, uma enciclopédia online gratuita onde qualquer pessoa pode adicionar e editar entradas.
“Não se trata de uma área pouco estudada [a expansão portuguesa na Índia], o que acontece é que a comunidade científica não está na Wikipedia”, acrescenta.
O artigo em questão foi publicado em 2007 e só em Dezembro um outro utilizador denunciou a informação quando percebeu que as fontes e a documentação citada não existiam. “Após um exame atento e alguma investigação, cheguei à conclusão de que aquele artigo era uma fraude, uma fraude inteligentemente elaborada”, explicou à AFP ShelfSkewed, o utilizador que descobriu a mentira.
Contava a página do artigo que “a maior parte dos combates” teria acontecido na Região Norte de Goa e que o conflito teria terminado com um tratado de paz. “O conflito foi breve e o seu impacto em termos de vítimas e estragos foi pequeno”, escreveu então o seu autor.
Ao pesquisar as referências que apareciam na página, ShelfSkewed não encontrou qualquer informação e apresentou o caso aos administradores da Wikipedia, que, depois de analisarem a informação, decidiram apagar a página. Sobre quem a criou, ainda nada se sabe.
“A presença dos portugueses nesta época e nesta região é clara, existiu e existem registos disso, o que não existe, pelo menos que eu saiba, é registo deste conflito”, atesta Dias Antunes. Goa deixou de ser portuguesa em Dezembro de 1961, depois de 450 anos de colonização.
Também para Francisco Contente Rodrigues, professor do Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o conflito de Bicholim é desconhecido. E alerta: “É preciso muita cautela com a Wikipedia: tem imensa informação difícil de verificar”. “Os artigos têm muitas vezes argumentos que ninguém conhece, geralmente pouco rigorosos”, acrescenta Contente Rodrigues, explicando que raramente recorre a esta enciclopédia e quando o faz é nas áreas que domina.
O historiador Vítor Gaspar Rodrigues também dá pouco crédito à Wikipedia, desvalorizando este episódio. “É muito fácil escrever qualquer coisa na Wikipedia, não há muito controlo e por isso não é fidedigna, não pode ser considerada sequer uma fonte.”
Esta não é a primeira vez que falsos artigos são publicados e só mais tarde descobertos. Foi na Wikipedia que surgiu uma página sobre Bunaka, uma ilha indonésia inventada, ou sobre Gaius Flavius Antoninus, o suposto assassino de Júlio César.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

Presidente argentina chama "colonialistas" aos britânicos e exige devolução das Malvinas

A Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, escreveu uma carta aberta ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, chamando "colonialistas" aos britânicos e exigindo a devolução das ilhas a que os ingleses chamam Falklands.
A carta foi publicada nesta quinta-feira, como publicidade, em dois dos principais jornais do Reino Unido (The Guardian e The Independent) e descreve com grande pormenor a resolução das Nações Unidas de 1960 pedindo "o fim do colonialismo em todas as suas formas e manifestações".
"Em nome do povo argentino, reitero o convite para que seja cumprida a resolução das Nações Unidas", escreveu a Presidente.
Não é a primeira vez que a Presidente, de 59 anos, ataca os britânicos, e o actual primeiro-ministro, o conservador David Cameron, devido à questão Falklands – entre 2 de Abril e 14 de Junho de 1982 a Argentina e o Reino Unido travaram uma guerra pela posse das ilhas, tendo as forças de Londres ganho.
"Os argentinos das ilhas foram expulsos pela Armada Real e, na sequência, o Reino Unido iniciou um repovoamento semelhante ao que fez noutros territórios que colonizou", escreve Kirchner. "Desde então, os britânicos, que são uma potência colonial, recusam devolver o território à República da Argentina, impedindo-a de restabelecer a sua integridade territorial. A questão das Malvinas é uma causa que embaraça a América Latina e a maioria dos governos de todo o mundo que rejeita o colonialismo".
Uma cópia da carta foi enviada para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. E a data da sua publicação é simbólica – foi a 3 de Janeiro de 1833 que as ilhas se tornaram território britânico. O momento foi também escolhido devido à recente decisão do Governo de Londres de baptizar como o nome de Rainha Isabel II uma secção da Antártica (as Falklands situam-se ao largo do extremo Sul da Argentina, na ponta do continente americano), o que Kirchner considerou uma provocação.
Por enquanto, a pressão da Presidente argentina só motivou uma guerra de palavras entre os dois governos. Em Junho de 2012, Kirchner e Cameron encontraram-se na cimeira do G20 que se realizou no México e defrontaram-se sobre o assunto da soberania das ilhas, com o primeiro-ministro britânico a rejeitar a proposta da argentina de negociar o futuro das Falklands.
Cameron anunciou que realizaria, em 2013, um referendo em que os ilhéus escolheriam a que país querem pertencer. E agora o primeiro-ministro britânico veio reafirmar que caberá aos habitantes das Falklands decidirem o seu futuro. O Reino Unido aceitará o resultado dessa votação - marcada para 10 e 11 de Março - e a Argentina deverá fazer o mesmo, sublinhou Cameron.

in Público